A arte muda nossa vida?
favoritos de Abril e pensamentos sobre livros e filmes que nos bagunçam um tanto
Antes de tudo quero dar as boas vindas aos novos assinantes. O texto “O que meu médico receitou” teve recorde de acessos e compartilhamentos. Foi uma grata surpresa, já que saiu de forma tão livre. Fico muito feliz. Puxa uma cadeira e fica à vontade, este tempo é seu.
Esses dias, a psicanalista e doutora em Letras, Tatianne Dantas, publicou no Instagram uma tradução de uma entrevista com a escritora Elena Ferrante e uma das respostas me pegou. Não sou a leitora que merece o título de ferranter, como as (os) fãs dos seus livros, porque ainda não li tudo, mas, até agora, posso dizer que eles me causaram certa inveja. Que talento!
Todo mundo que escreve sente, em alguma fase, um desejo de ser como outro que também escreve. Não há nada de vergonha nisso e, se feito sem a comparação cruel, talvez até nos engrandeça, nos dê farol.
Voltando a entrevista… Perguntaram a Ferrante qual livro mudou a sua vida - eu sei, questão astuciosa e meio preguiçosa - e ela respondeu que livros não mudam vidas. "No máximo, se forem bons, podem machucar e trazer confusão. 'O Processo', de Kafka, até hoje me pertuba". Essa perturbação, me perguntei, não seria mudar a vida? Sem ela, como seria Ferrante? Como ela escreveria?
Passado uns dias, estava lendo esta newsletter aqui, da
, sobre o livro Apesar de tudo, co-escrito por Sonja Vukovic junto com a Christiane F. para contar como sua história se desenrolou depois do sucesso autobiográfico { publicação homônima, em 1978} da mesma. No meio do texto tem uma fala da Sonja sobre arte, biografia e a sua personagem:“Esses tempos vi uma entrevista com um grande artista alemão e ele disse que acha que arte só pode existir porque o artista sente que não pertence ao mundo e que o mundo não pertence a ele. E a arte é criada através do esforço de tentar explicar o mundo para si mesmo. A arte é o resultado de tentar entender o mundo e as pessoas, e acho que isso se encaixa com Christiane também”.
Procurei o artista alemão comentado e não encontrei, não sei ao certo qual sua arte. Mas, estou próxima do que ele acredita. Um livro, um filme, uma exposição, uma música. Tudo isso, para mim, são possibilidades de mudar vidas e o fazem justamente por serem desobrigados disso. A arte não tem como função nos fazer desenvolver, nem nos ajudar a nos conhecer, nos emocionar ou qualquer coisa. Ela apenas é. O efeito colateral é que provoca as turbulências.
Quando o artista - falo aqui de qualquer tipo, incluindo os que montam pratos belíssimos nos restaurantes - produz, a intenção é desatar nós dele mesmo, é um prazer individual, muitas vezes ou faz ou sufoca com a própria língua. No entanto, o nosso é também um pedaço do todo. Por isso, quando essa arte transborda, ela também chega no plural e desafoga quem a detém.
A poeta Ana Luiza França, escreveu no seu livro No ventre do mundo (2020):
As respostas
Também não saberia responder qual livro - um só é covardia - mudou minha vida. Sei que quando li Cem anos de solidão, do Gabriel Garcia Marquez, com 13 anos, eu descobri que viver podia ser bem maior do que aquele cotidiano que eu tinha. Naquela época, jamais imaginei que poderia ser capaz de escrever um livro. Lia imaginando aquelas pessoas, as donas das palavras, como alguém com um talento muito distante do que meu cérebro seria capaz de criar.
E aí vieram, já na fase adulta, livros, filmes e outras artes me contar histórias de gente real - dessas que tomam café da manhã, pagam boletos, têm ou não filhos - que escreve. Minha existência mudou quando as descobri. Ferrante, inclusive, me parece uma dessas pessoas comuns; talvez todo mundo seja, mesmo os que ocupam o meu pedestal dos talentos extraordinários.
Além da página
Não são só os livros que mudam nosso olhar, é a vida lá fora também. Se nos tornamos reféns da leitura, não somos as pessoas comuns e sem elas não existe a arte. Entendo que uma leitura mudar a vida pode soar grandioso demais e talvez isso pese na mão de quem escreve. A (o) artista nunca deve carregar essa responsabilidade para a folha, se não trava.
Então, talvez por isso a italiana de nome secreto tenha fugido da pergunta com a resposta que me desceu incomoda. Ela, como escritora, assim como eu e todos que tecem palavras, deve preferir nem pensar nisso. Apenas cria a arte e está de bom tamanho. Agora, meu eu leitora, e possivelmente o de Ferrante, sabe bem como um bom livro pode transformar o meu viver. Ah se sabe!
Devido a minha mudança de casa/cidade/estado, a leitura está a passos lentos e estou priorizando os obrigatórios. Então, apesar de falar muito em livros aí em cima, hoje as dicas são de filmes. Adoro quando encontro algo fora da rota usual de todo mundo, o primeiro é um desses.
1.O Melhor Está por Vir (2020): assisti este por acaso na Amazon Prime (o catálogo lá anda bem interessante) e adorei. O roteiro carrega uma história com ares de clichê e tem aquele toque "aproveite a vida" que tem em todos sobre doenças e morte, mas é também inteligente, sensível e com sacadas ótimas. Arthur e César são amigos de infância, um se torna médico, é responsável e metódico e o outro é um bon vivant e anarquista. Um deles descobre, de forma meio torta, um câncer terminal e aí decidem aproveitar o tempo juntos. Mas, o decorrer é cheio de risadas e confusões porque os diagnósticos se perdem e há falhas de comunicação - não quero contar para não perder a graça, tirem suas conclusões.
Gosto de ver filmes com histórias sobre nosso final de tempos em tempos porque faz a gente lembrar de tudo que deseja realizar, de manter o pé no chão dos sonhos. Nessa obra há muita conversa sobre coragem. O óbvio é o responsável que arrisca pouco, mas o outro, libertário, colecionou receios em relacionamentos mais profundos.
Além disso, é gravado em Paris e isso nos dá um gostinho da cidade e de como é a vida cotidiana do parisiense; gosto especialmente do fato dos filmes francesas terem no elenco preferencialmente pessoas belas e não plastificadas. A direção de fotografia é do Guillaume Schiffman, que já foi indicado ao Oscar pelo filme O artista (2012).
Uma boa pedida para um fim de semana gostoso em casa e com pipoca.
Direção e roteiro: dupla Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte
Disponível no: Amazon Prime (incluso na assinatura), Google Play e Apple TV (com aluguel)
2.Quatro casamentos e um funeral (1994): eu sei, você já deve ter assistido esse, talvez até mais de uma vez. É justamente por isso que o trouxe. Na minha leitura, o filme envelheceu super bem, uma raridade! O romance britânico é uma delícia para aqueles dias em que a gente só quer uma história feliz - apesar do funeral - e não quer cair num daqueles clichês chatos dos roteiros deste tipo. Para mim, os melhores para isso são dos anos 1980 e 1990.
Bem, Charles (meu crush, apesar dos seus pesares, Hugh Grant) está naquela fase de mil casamentos para ir toda semana, num desses conhece Carrie (a diva mór Andy MacDowell) e cai de amores. Daí para frente são desencontros, afastamentos, mais casamentos, um funeral e a expectativa pelo final.
Um toque especial do filme é o amor entre amigos. A turma do Charlie nos faz nos aproximar dos personagens e daquele cotidiano comum de qualquer um com 30+. Naquela época, talvez 25+. haha E, neste caso, ainda temos como cenário Londres e o interior da Inglaterra, um deleite.
Então, num domingão, com o previsto inverno se aproximando e brigadeiro, encha seu coração de amor e alegria com essa obra e esqueça um pouco o mundo lá fora. A gente merece essa folga.
Direção: Mike Newell (também dirigiu O sorriso de Monalisa, Harry Potter e o cálice de fogo e mais alguns queridos); Roteiro: Richard Curtis (também fez Um lugar chamado Notting Hill, Simplesmente amor, O diário de Bridget Jones e mais um monte de sucessos que amamos)
Disponível no: Amazon Prime (incluso na assinatura) e Apple TV (para alugar)
Uma semana de bom humor para nós. Na próxima news já compartilho sobre minha nova morada. Ieeee ansiosa! Aproveito e agradeço o carinho de todos nesta fase de alta tensão.
Um beijo,
Gabi.
adorei a reflexão - acho que é algo que persegue quem faz algo artístico. gostoso ler assim aprofundado :)
Fiquei aqui pensando qual foi o livro que me arrebatou. Acho que foram 2: os diários da Anaïs Nin e “Uma temporada no inferno”, do Rimbaud, que eu decorei parte dele.