Inspirada em uma publicação do
- por sinal, ótima news, corram lá - chamada "hoje vou te fazer chorar"Sou uma forasteira saudosa, é coisa de quem nasce em Pernambuco (ou no Nordeste todo), um lugar cheio de coisas só suas. No caso desta pernambucana em particular, as piores ausências são no Carnaval, na festa junina e na junção do Natal com o veraneio de janeiro. Felizmente, em dezembro costumo conseguir ir, então esta dor não me dói, já as outras… Favor não confundir o choro com vontade de voltar ou com tristeza em novo lugar.
O desejo mesmo é poder andarilhar por aí e visitar meu porto seguro nestas datas. Para isso, os preços das passagens precisam ajudar ou a minha conta bancária ficar mais rechonchuda. Sem previsão para nenhuma das duas opções.
Dito isso, junho foi vivido com o peito querendo ser preenchido pelo passo do forró e com a boca procurando a canjica - da nossa - derretendo na língua com canela. Para a comida, me dei por satisfeita - mentira, ainda quero canjica - com meu famoso bolo de milho. Juro, todo mundo adora, modéstia à parte. Servi aos amigos de outras partes deste país mais de uma vez, nunca sobra mais que duas fatias.
Já a música, resolvi com muitas playlists no Spotify enquanto lavava pratos ou fazia meus treinos. Se você, quem sabe, cruzou comigo na academia, era eu mesma dançando sozinha com fones no ouvido entre um agachamento e outro.
Ouvindo as letras do forró de antigamente, de agora, de jovem, de velho, de sertanejo, de urbano, fiquei emocionada com a poesia. Calhou de ler o texto do Junior este período e achei de bom tom te fazer ouvir e ler beleza no ritmo junino mesmo sendo julho.
Segue para o baile:
Nordestino que está com coração solitário e sedento por amor sabe que festa junina é a chance do chamego. Dançar coladinho, falar no ouvido, coxa com coxa e está resolvida a questão. Mesmo que dure só o mês de junho já vale para esquentar o corpo. Então, vem Natascha Falcão e grava uma versão suave de Timidez, originalmente da banda Cavalo de pau (sim, nomes curiosos!).
"Vivo a sonhar com você/ Eu quero ser feliz /Estar em teus braços, beijinhos e abraços /Contigo eu faço o que eu sempre quis /Meu coração é amor /Desejo e paixão /Sonho acordado e apaixonado /Criou coragem pra falar de amor"
Às vezes, na festa junina, seu coração está partido, mas não há espaço para nada novo. Aí é melhor mesmo chorar em um show em plena praça pública com seu copo na mão. Anjo querubim, de Petrúcio Amorim, faz bem feito a trilha sonora nessas horas.
"Meu baião (meu baião) /Coração (coração) /Arranca essa dor do meu peito pra eu não chorar
Comprei sururu, camarão, fiz batida de caju /Dancei rumba e até maracatu /Pra te fazer feliz
Fui até Natal, Salvador, Paraíba, Bacabal /Em Belém você quase passou mal /E eu te fiz feliz
E você não gosta mais de mim /Vem dizer que eu não soube dar amor"
Nem só de romance e amor vive o São João. Toda festa nordestina tem a hora do nó na garganta. E se tem quem faz bem feito isso é Filho do dono, de Flávio José, que coloca a gente no nosso lugar responsável por essa confusão chamada Brasil.
"O desespero no olhar de uma criança /A humanidade fecha os olhos pra não ver /Televisão de fantasia e violência /Aumenta o crime, cresce a fome do poder /Boi com sede bebe lama /Barriga seca não dá sono /Eu não sou dono do mundo /Mas tenho culpa porque sou filho do dono"
Aí depois, o próprio Flávio mistura coração partido com a vida do sertão. Tareco e mariola faz você dançar dando a letra sobre a dureza de ser artista numa terra seca e ignorada.
"Você foi longe /Me machucando provocou a minha ira /Só que eu nasci entre o velame e a macambira /Quem é você pra derramar meu mungunzá?
Eu me criei /Ouvindo o toque do martelo na poeira /Ninguém melhor que mestre Osvaldo na madeira /Com sua arte criou muito mais de dez"
Parece que Flávio José teve de lutar por amor, viu? O repertório ainda tem Mala e cuia que faz convite com ares de feminismo. Quem não pega a mala com uma dessa?
"Pode vir de mala e cuia, amor /Que eu não vou tá nem aí pro povo /Nosso amor tá cobiçado /Mas não vai ser maltratado, por ninguém de novo
Na minha casa tá sobrando espaço /Guardei de mim um pedaço e reservei só pra você /Na minha casa tá sobrando rede /Sobra torno na parede, amor pra dar e vender"
Na leva mais recente do forró, temos mais um com uma paixão doida. Quando começar a tocar Apaixonada em qualquer show, tenha certeza que terá coro tal qual Evidências. Quem fez o hit se tornar um hit foi Magníficos, uma banda ícone dos anos 1990/2000. Hoje, em Pernambuco, chamamos as bandas dessa geração de Forró das Antigas, apesar de não ser mais antigo que o tradicional.
As mulheres começaram a ter mais espaço na temporada dos anos 1990 com as bandas do tal Forró das antigas, usando novos acordes dentro do ritmo tradicional. Quem cantava em Magníficos era uma dupla formada por uma mulher e um homem - o cargo foi ocupado por nomes variados ao longo dos anos e a banda existe até hoje.
"Eu amo essa ternura que há em teu olhar /A tua alegria que me faz cantar /Eu quero ser escrava desse teu amor /Faço tudo por você, porque eu estou
Apaixonada, sofro calada /Tudo fica mais difícil sem você /Apaixonada, sofro calada /Tudo fica mais difícil..."
A banda achou pouco e lançou outro hit, Me usa, numa época menos careta que hoje, acreditem. Se bem que, segundo fontes da minha cabeça, acho Pernambuco pouco conservador no quesito letras de músicas. Se é para dançar, a gente vai.
"Momentos de amor quero com você /Momentos eternos pra nunca esquecer /Se você me ama, me leva pra cama /Acende essa chama de amor e querer
Só nós dois em nosso ninho /Testemunhas para quê? /Nossos corpos coladinhos /Suadinhos de prazer"
Deixei o clássico, o rei, para o final. Se tem realeza que vale a pena, é do artista. "O rei do baião" era nosso Gonzagão, Luiz Gonzaga. Um forró sem tocar uma música dele não merece a noite. A alegria dos acordes de Vem morena é de sacolejar o corpo, talvez tenha sido nessa que dancei sem nem notar na academia.
"Vem, morena, pros meus braços /Vem, morena, vem cantar /Quero ver tu requebrando /Quero ver tu requebrar /Quero ver tu remexer
No resfolego da sanfona até o sol raiar /Quero ver tu remexer /No resfolego da sanfona até o sol raiar"
Essa aqui parece comédia porque você se pergunta o que se passava na cabeça de Gonzaga quando escreveu que sonhou com Moscou dançando Pagode russo. risos Pagode russo, se você não sabe, é um ritmo de quadrilha junina. Cossaca era um tipo de dança com origem ucraniana e russa. Gonzagão misturou tudo e deu a letra:
"Ontem eu sonhei que estava em Moscou /Dançando pagode russo na boate Kossacou /Ontem eu sonhei que estava em Moscou /Dançando pagode russo na boate Kossacou
Parecia até um frevo naquele cai e não cai (4x)
Vem cá cossaco, cossaco dança agora"
Passaria horas e horas descrevendo músicas, artistas e compositores de forró. São muitos e se criam até hoje. Meu sobrinho, Paulinho, nascido em Recife em 2012, pediu uma sanfona com 3 anos de idade e, até o momento, é um cantor mirim, adepto do cantar o forrobodó (sim, ele já foi para o The Voice Kids). Talvez o êxito cultural pernambucano - e de todo nordestino certamente - seja essa capacidade de passar adiante o amor pela festa, o que não quer dizer necessariamente uma coisa de família com ares medievais. É sobre a áurea local, tudo leva ao apaixonamento. E aí quem recebe, mesmo sendo geração tiktok, brilha os olhos.
Gilberto Gil, baiano, tem uma música chamada Fé na festa que a letra dá esse tom. Tenho vontade de ter um quadro enorme com esse título escrito para ser um guia no lar.
"São João carneirinho quer mais devagarinho /De mansinho vamos chegar em paz na festa
Festa, festa na fé /Fé, fé na festa"
Para mim, é isso que a gente, o povo das bandas de lá de cima do Brasil, carrega: fé na festa.
Começo o mês sempre com uma música, mas hoje será com mais de uma, por que não?
Lucy Alves, um dos nomes femininos mais recentes do forró.
Flávio José com uma das minhas favoritas, também teria essa frase em um quadro: se avexe não que a burrinha da felicidade nunca se atrasa.
E, para fechar, o ícone, o rei Gonzaga com um mix. "Minha vida é andar por esse país Pra ver se um dia descanso feliz (...) E a saudade no coração"
Você tem uma música de forró favorita? Qual te leva direto no cheiro de festa junina?
Boa semana,
Gabi.
adorei! ontem a comunidade de brasileiros daqui fez uma festa junina e eu me esbaldei, comi cuscuz, bolo de mandioca (que em goiés é mané pelado), munguzá e canjica (que também pode ser canjica e curral, o importante é ser gostoso) e dancei forró como se não houvesse amanhã. o curioso nessas festas mistas de imigrantes é que tem gente de todo lado do brasil, então a festa vai do brega ao sertanejo, do forró das antigas ao pé de serra, e claro, muito luiz gonzaga.
de menino eu não ia muito em festa junina por motivos religiosos impostos por minha família. mas depois de grande ninguém me segura mais, onde tem um arraial eu vou.
e pra motivos de censo, meu forró preferido é espumas ao vento em qualquer versão.
Que delícia de texto, Gabi! Aqui em Manaus - e no norte como um todo, a gente ama esse forró das antigas, viajei. Um abraço