Liguei a televisão, escolhi um filme, já nem lembro qual, e dei play. Em menos de meia hora desisti. As sobreposições de cenas, o tema, a cor… tudo me deixou mais perturbada. Não era culpa do título. Até tentei outros e também séries e programas da tv a cabo. Além disso, se cheguei à tela é porque os livros, os mais amados objetos do meu ser, estavam me causando o mesmo queimor. Nada me prendia mais do que duas páginas. A minha consciência tinha certeza de que em minhas mãos tinha uma bela obra, já o meu coração não estava disposto a ser capturado por palavras.
O Instagram… lá não se trata de ser um post bom ou ruim. Era outra coisa. Me exasperava de qualquer maneira. Abria para tentar aplacar meu tédio e ao acessar aquele colorido com um mundaréu de gente, a vontade era jogar o celular pela janela. Em uma das tardes presa nesse redemoinho, desejei um silêncio profundo. E aí me chegou a palavra: barulho. Quis não mais destruir o aparelho, mas gritar alto e forte para todos os outros ouvirem: chega, chega, chegaaaaa. Depois dessa, decidi que março seria um mês de pausa.
Da escrita para publicar, de pensar em mil projetos, da pergunta "como ganhar algum dinheiro?" de todo autônomo e, principalmente, das redes sociais.
Retirei os apps mais ansiosos para mim do celular. Avisei aos amigos. Sobrou o WhatsApp e o Pinterest. Assim, sem mais, em uma semana me senti morando no paraíso. No dia 08/03, Dia Internacional da Mulher, quase fiquei triste por não publicar nada sobre o tema. No fim, foi um deleite não precisar ver atrocidades, idiotices ou a simples repetição de uma dor já tão conhecida por todas nós. Me pergunto até que ponto isso é útil, inclusive. Neste momento, o compartilhamento excessivo me parece uma grande refeição aos lobos e esse desejo, incluindo o meu, de postar algo sobre todas as notícias e tretas do mundo tem me soado mais como um caminho egocêntrico para demarcar posições e menos como projeto de futuro bom.
Ao sair das redes tive certeza de um fato: todo mundo está falando da mesma coisa. Cada um na sua bolha para sua bolha. Há o grupo indicando os mesmos filmes, outro os mesmos livros, outros… O algoritmo, nessa pisada, vai ditando nossa vida - deveria ser o oposto - e aí ninguém se pergunta mais o que quer fazer, ler, ouvir. Apenas compram algumas das milhares de dicas e seguem a toada. Nos tornamos mais bandos, o que não significa necessariamente mais agregados ao coletivo, e menos autônomos.
Me sentia, sem ter exatamente consciência disso, vivendo em um esquema autoritário de consumo através dos conteúdos digitais. Ao entrar em uma livraria, observava os títulos nas mesas principais e pensava "ah, já vi fulana/o falando desse" ou coisa parecida. Não havia mais o espanto de descobrir uma coisa legal sozinha. De ler e me maravilhar com as páginas pensando "uau, acertei demais" ou mesmo achar péssimo e trocar por outra leitura da fila eterna já existente em casa.
“Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem.”, Rosa Luxemburgo
As dicas são muito úteis para gastos certeiros e encontrar marcas e alguns itens faceiros em meio a tanto volume online. Não sou contra dar veredictos na internet. Por outro lado, é inconveniente perdemos o encanto pelas cenas reais porque já vimos tudo em telas. Tampouco sei a solução dessa equação, gostaria de encontrá-la.
Para quem escreve, cria, empreende, faz arte ou apenas vive em busca da sua autenticidade, esse barulho todo das redes sociais te dão a falsa sensação de estar com a mente cheia de ideias, aí você vai ficando e sentindo que precisa ficar. Na prática, o vazio vai aumentando e tudo vai se tornando uma fábrica digna do clássico filme Tempos modernos (1936), de Charlie Chaplin.
“Acho terrivelmente perigoso para um artista atender às expectativas de outras pessoas. Geralmente produzem seus piores trabalhos quando fazem isso. Sempre vá um pouco mais adiante na água do que você sente que é capaz de ir. Quando você sente que não consegue tocar o fundo com os pés, você está justamente no lugar certo para fazer algo empolgante.” David Bowie
Na fuga e também no ócio, voltei a ler tranquila e assistir filmes sem a irritação, ainda dormi melhor. Também me aproximei de uma identidade mais minha, a da Gabriella de 2024. Ainda mudarei muito ao longo do meu caminho e isso me deixa feliz, de tédio não morro. Hoje mesmo comentei com minha fisioterapeuta que tenho coisinhas guardadas para ir realizando com o envelhecimento. Agora, aos quase 36, aprendi a andar de bicicleta, por exemplo. Um dia, vou procurar um curso de corte e costura. Vovó Salete está em um curso de francês, já contei isso aqui? Talvez. O mundo, este que podemos tocar e transformar de alguma forma, tem ainda um tanto de território a ser desbravado, não só por mim.
Mundo, mundo, vasto mundo
Mais vasto é meu coração, poema de Sete faces, Fernando Pessoa.
O silêncio me trouxe um lugar que achei não existir mais. É meu, é inteiro e é vasto. O que faço com esse tamanho todo agora? Tento fincar os pés nos dois mundos? Depois de ultrapassar a curva do corpo ainda cabe o Instagram? Ainda faz sentido ser preenchida por tanto barulho? Aquela tela vai me levar a algum lugar? Eu não sei.
Sempre acreditei que o equilíbrio, entre as influências digitais, as ferramentas de autopromoção/sociais e a vida palpável, seria usar um pouco de cada item. Talvez tenha sido isso um dia, não mais. Estou buscando outra coisa. O caminho parece outro. As pontas são outras. Até tentei voltar a ter o app do Instagram no celular, retornei a vida normal em abril, por que não usar? Não funcionou. Me irritou, me deu dor no braço, me cansou a vista, me perguntei tantas coisas. Apaguei de novo e o acesso apenas no computador para dialogar com amigos, vejo coisa ou outra e não posto nada. Sinto um certo tédio às vezes e acho bom estar ciente dele, dos seus porquês e também aceita-lo.
Se quero ocupar a vastidão do meu lugar com minha existência, passo a ser uma equilibrista entre ser quem sou e não ser quem não sou. Por hora, uns bons tempos de silêncio, poucos dias de barulho e escolhas mais minhas.
Avisos:
1.semana que vem tem envio para assinantes premium sobre foco e concentração, essa coisa que anda em falta na nossa temporada na Terra. Para conseguir ler inteiro, recomendo dar seu upgrade por apenas R$10 mensais. 2. Abril tem cinco semanas! Na seguinte, vou mandar o conteúdo em áudio. 3. A news segue semanal, mas não necessariamente nas segundas; estou em uma crise de bruxismo e dor nas costas devido uso de computador, meu sono sofre e sinto dores de cabeça desagradáveis. Já estou tratando, mas pelo bem da boa edição e do bom texto, decidi aumentar as possibilidades para não enviar qualquer coisa só para bater ponto. Obrigada pela compreensão. <3
Li esta edição do
sobre influência e senti uma conexão com a minha publicação, deixo aqui para apreciação.Uma semana de silêncio por aí!
Um beijo,
Gabi
"todo mundo está falando da mesma coisa"
fazia tempo que eu nao sentia isso e estava associando o fato a estar passando mais tempo lendo newsletter, como tem sido nos últimos anos... mas agora se eu receber mais uma newsletter sobre Pobres Criaturas, Vidas Passadas ou Anatomia de uma Queda no inbox, vou ter um siricotico. acho que foi assim com Barbie no meio do ano passado também.
mas é a vida
Sei que já conversamos um monte sobre esse tema, mas cá estou para dizer que me identifico total com seu desejo de silêncio, ainda não fiz essa pausa,as pretendo!!