Se a Terra conseguir sobreviver a ponto de receber uma possível próxima vinda, eu quero vir homem e quero nascer em um país seguro e rico. Conclui que tendo o gênero que tenho não consigo vivenciar tudo que este planeta tem para me dar. Mesmo que eu vá morar em um destes lugares desenvolvidos, não há território 100% seguro para mulheres. A experiência nunca é completa.
Essa ideia me veio enquanto admirava a paisagem na janela de um uber. Dentro do carro nada de ruim aconteceu, exceto minha sensação. Ele me fez uma pergunta que sempre me leva a gaguejar. Desde que saí de Recife, neste tipo de transporte, tento me fazer parecer local, como uma forma de proteção. Dificilmente funciona. Em São Paulo, eu nem precisava abrir a boca e já me capturavam. No Rio, é mais maleável, mas tenho baixa amostragem porque uso mais o metrô. Enfim, tremo na base quando vem: você é daqui?
Essa simples pergunta me faz ter dúvidas. É uma curiosidade natural? Ou é um plano maligno? Ele vai se aproveitar da minha falta de conhecimento sobre os caminhos? Respondo meio escorregadia e sigo a vida. Nesse dia, depois da meia resposta, fiquei em silêncio criando pautas na cabeça admirando o espetacular visual da Lagoa Rodrigo de Freitas. Foi nessa hora que me imaginei sendo um homem carregando uma câmera fotográfica no pescoço. Nunca tinha acontecido de me imaginar em outro gênero.
Ao bater nas bordas dos limites que me são impostos, desejei ser homem. Não é de se estranhar.
Ainda agarrada a uma fala antiga em que disse "se houver outra vida, quero continuar vindo mulher", rejeitei a opção de imediato, procurei algo mais brando. Poderia vir mulher de novo, desde que fosse ao menos com o privilégio da segurança de um país estável, pois assim poderia adentrar em territórios mais diversos e isso não seria um perigo. Neste lugar, o meu desejo escolheria os acessórios do meu look e não o medo do roubo. Aqui no Rio é costumeiro alguém falar de forma completamente natural "fulana foi roubada, mas estava usando cordão de ouro aí é dá mole". A vaidade (?) é a culpada. Nesta hipótese, teria garantido o direito básico humano de ir e vir.
Não foi suficiente para apaziguar a cena do homem, no caso eu sendo homem, carregado uma câmera no pescoço tranquilo e curioso.
O medo acompanha meu gênero dia após dia em qualquer lugar. Até porque não é "apenas" uma questão de corpo e do abuso deste. É como vivemos nosso trabalho, se escolhemos ou não ser mães, se seremos acolhidas, se teremos orgasmo no sexo ou mesmo sozinhas (conta como sexo? não sei). Me lembrei do caso da Jacinda Ardern, ex-primeira-ministra da Nova Zelândia. Foi eleita em 2008, teve sua primeira filha em 2018 e retirou apenas seis semanas de licença maternidade, renunciou em janeiro deste ano com a frase "não tenho mais o combustível necessário para fazer esse trabalho da melhor forma”.
A Nova Zelândia é um dos melhores lugares do mundo para se viver. Ainda assim, Jacinda cansou como muitas de nós cansamos aqui no Brasil. A tarefa de fazer tudo e de se provar o tempo todo despedaça qualquer um. Pedir licença da nossa realização com a voz embargada é devastador para o presente e para o futuro. É bater na borda da piscina olímpica, ganhar até um prêmio por isso, quando se queria mesmo era estar nadando no mar sem cordas.
Gosto de ser uma mulher e de tudo que posso experienciar sendo uma. É um corpo mágico. Mas, quero sentir na língua, na pele, na alma, a vida por inteiro e isso não nos é permitido. Quero voltar para casa sem vigiar o caminho do uber. Quero não ser invadida. Quero ganhar mais dinheiro, ser mais ouvida, mais respeitada. Quero não precisar fazer esforço para isso, pois um músculo pendurado entre minhas as pernas garantirá os acessos.
Quero apenas saber como é ter uma existência que se basta. Aí na vida seguinte a essa, se assim houver, se a Terra aguentar, volto a ser mulher porque, apesar de tudo, a gente faz a vida ser bonita demais.
Coisas boas que vi por aí
Estou completamente engajada no perfil da Bárbara Carine, uma baiana arretada e mais conhecida como uma intelectual diferentona. O feed é uma aula tanto sobre sua especialidade quanto sobre a quebra do estereótipo da mulher inteligente.
Dei uma entrevista sobre minha carreira e suas mudanças para a
da newsletter Carreiras Múltiplas e este é o resultado. Foi um papo longo já que eu já perambulei bem por aí. Obrigada pelo convite, Pri.Assisti o documentário Como viver até os cem anos (2023), do jornalista e pesquisador Dan Buettner, sobre longevidade e as regiões onde há a maior concentração de centenários no mundo conhecidas como blues zones, e adorei. Me lembrou muito da
que foi ver de perto uma dessas regiões para estudá-las. Seus conhecimentos sobre isso e outras pautas sobre saúde, estão na newsletter dela. Leiam aqui. É muito legal ter a visão de uma brasileira sobre o tema e ela ainda trouxe como aplicar algumas vivências na vida real que é bem distante da realidade dos vilarejos.Ler o
tem me dado um ânimo gostoso para seguir a disciplina com o que precisa ser feito. Ele consegue passar a mensagem sem ser piegas e sem tirar os pés da realidade, o que é muito incomum quando se trata de motivação (alô discurso da meritocracia!). Comecem por este texto:
Escrevi este texto há alguns dias, por sorte. Semana passada peguei covid e não existi para nada. Pois é, ainda existe e ainda é devastador. Vários dias em posição fetal entre o sofá e a cama, muitas dores, cansaço, tosse, nariz entupido. Não desejo para ninguém. Portanto, os lembro: atualizem suas vacinas e se houver sintomas de gripe, façam o teste (os de farmácia funcionam bem com ao menos 48h de sintomas). Deu positivo? Fique em casa até estar bem. Agradeço os votos de melhoras a todos que souberam e me enviaram, deu certo. :)
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Beijos,
Gabi!
Chegando agora, obrigada por essa reflexão, Gabi! Sempre que me sinto limitada e não são poucas vezes, penso nisso! E olha que eu adoraria não precisar “voltar” se esse for o caminho! A impressão é de que já estamos tão exaustas por sermos mulheres que eu não quereria arriscar! Mas cansa a “preocupação” deles, que não passa do umbigo (salvando aí raríssimas exceções)!
Gabi, que reflexão. Vira-e-mexe converso com o meu marido e falamos sobre como seria se eu fosse o homem e ele a mulher. Nos divertimos pensando nisso!
Quanto à questão da segurança, preciso dizer que já funciona um tantão quando existe a possibilidade de morar em outro país. Não acho que deveria ser essa a solução, mas me sinto muito mais livre e tranquila desde que moro fora do Brasil...chega a ser até “ingênuo”, mas é também muito mais leve do que estar sempre em estado de alerta quando se sai de casa.