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Quando a yoga não é namastê
Se o que te oferecem para bem estar for uma solução rápida e fácil demais, corre que é cilada. Saúde não se resolve com clickbait.
Uma das minhas resoluções para 2019 foi fazer yoga. Tinha passado por uma crise de ansiedade no final do ano anterior que me fez ignorar até as receitas de Natal - isso é grave na minha persona - e como já trabalhava em casa e sozinha, queria sair para alguma coisa que me trouxesse paz. Fui para uma aula experimental perto de casa e para minha surpresa a professora me colocou naquela postura de cabeça para baixo com menos de 40min de prática. Não preciso nem detalhar como foi para a ansiosa aqui esta experiência. risos nervosos

Ainda me culpei pensando que deveria ter desconfiado das imagens feed de Instagram dela permeadas de posturas hype. Passado um ou dois meses, achei uma aula pé no chão e com uma mestre responsável e querida. Pouco depois disso, fui pela primeira vez a uma consulta com um médico na tentativa de melhorar minha digestão. Como um bom profissional que é, me olhou de forma integral e, além de outras coisas, me disse:
Você precisa dormir, descansar e ir em um ritmo leve. Exercício é essencial para todos, mas para você agora sugiro que não seja um esporte exigente.
Voltei com essa tarefa: ir devagar. Avisei a nova professora de yoga e também fisioterapeuta que era quem cuidava do meu pilates e do meu corpo e ambas adaptaram meus treinos. Priorizei meu sono. “Magicamente”, aos poucos, tudo foi se ajustando. Na consulta seguinte, uns cinco meses depois, eu falei: se eu soubesse que era tão simples antes! Conversamos longamente, como costuma ser com Dr. Fernando, e pude progredir nos meus exercícios. Estava eu 100% resolvida? Não. Meu ponto sensível é a ansiedade e eu vou precisar lidar com ele o resto da vida, mas agora eu estou consciente de uma forma realista.
Até esta consulta, eu bati na porta de muitas pessoas como a professora da aula experimental de yoga. Ouvi de um tudo. Desde indicação para não comer carboidratos até que eu era sensível demais. Todas as falas ditas por profissionais de saúde. Estes perfis, infelizmente, estão promovendo bem estar com filtro de Instagram.
Todos nós temos boletos a pagar, não é errado promover o próprio ofício. O problema é trabalhar com bem estar sem olhar para quem se está atendendo e tendo como métrica apenas a uma estética de hashtag. Fora a questão ética, é desumano e desonesto. E é aí que quero chegar. Uma parte do mercado de saúde decidiu seguir pelo caminho da venda de tratamentos encapsulados em "soluções" rápidas, caras e ineficientes.
Basta um pózinho de cafeína misturado com outros 20 ingredientes para acordar, um comprimido de "produtos naturais" para dormir, fazer treinos especiais e em excesso, um chá para desinchar (risos, não me contenho) e uma viagem de vez em quando para espairecer.
Isso não é bem estar, isso é riqueza, de tempo e dinheiro. O pior é quando você experimenta tudo isso sem saber se tratar de uma irrealidade e passa a acreditar que não sabe ser saudável.
Saúde e tudo que a envolve é um assunto tão valioso que há milhares de profissionais sérios, fora do Instagram e alguns até dentro, buscando entender ansiedade, depressão, pânico, felicidade, amor, as influências da cultura, dinheiro, família, genética e PIB do país nesses sentimentos e transtornos e, claro, doenças físicas como câncer, gripe, diabetes e afins. E as descobertas sobre prevenção e longevidade nos mostram cada vez mais que viver bem de verdade pode ser mais simples - não necessariamente fácil de aplicar no mundo atual - do que parece: comer comida, dormir, se mexer, fazer algo que te faça sentir útil (não precisa envolver $$), se divertir e ter laços, sangüíneos ou não, que nos abasteçam. O complexo mesmo é a atenção que precisamos ter para não cair na propaganda enganosa.
Os links de hoje são para te informar e te ajudar a saber quando o bem estar ofertado é o plastificado ou não.
Livros: Observações de um planeta nervoso, do Matt Haig. ajuda a refletir sobre nossa mente no estilo de vida atual. Outro livro legal e pé no chão é o que estamos lendo este mês no Clube do livro (inclusive aguarde novidades para 2023). Mais forte do que nunca, da Brené Brown, é um apanhado incrível sobre como dar a volta por cima, o fracasso e sobre a coragem de arriscar. Ela é que fez aquela palestra super famosa do TED sobre vulnerabilidade, assista aqui; segue sendo um fenômeno por uma razão.
Como curar a nós mesmos ficou tão exaustivo? - artigo da Sophie Gilbert, de outubro deste ano, na revista The Atlantic, sobre as mil funções que o falso bem estar traz e como isso torna tudo pior em termos de saúde mental. É um pouco ácido, mas vale a leitura. Pondere as palavras da autora - mãe de gêmeos de 2 anos - e não use o texto para se permitir não cuidar de si mesmo. (em inglês, nada que o google tradutor não resolva)
Uma série: The White Lotus não é necessariamente sobre saúde, mas aborda com maestria as nuances da vida e felicidade plastificadas. A segunda temporada está sendo disponibilizada com um episódio por semana, no HBO.
Este post sobre a geração dos aditivos de sobrevivência. E este com verdades sobre o tratamento de pacientes ser coisa séria e não se aplica a caixinha de Instagram.
Como cuidar da saúde mental trabalhando por conta própria - Cada vez mais brasileiros são profissionais autônomos e este artigo tem dicas de cuidado com a saúde mental valiosas para este perfil. Pode ajudar também em outras carreiras. Não se iludam: trabalhar com o que ama e para si mesmo ainda nos exige cuidados mentais.
Por que é perigoso esconder a tristeza? - reportagem do VivaBem, da UOL, sobre as consequências de esconder a tristeza embaixo do tapete. O repertório das fontes está bem vasto e completo, desde psiquiatra a filósofo. Com um tema desses também há análise de redes sociais, não temos como escapar - ao mesmo tempo devemos sair correndo.
Fica a lição: antes de ir para uma aula de yoga, observe bem quem está ofertando. Aliás, faça isso com qualquer serviço de saúde, incluindo consultas médicas.
Boa semana,
Gabi
Quando a yoga não é namastê
Adorei! A yoga foi um divisor de águas na minha vida, porque me mostrou como era importante olhar e ter tempo pra mim mesma :) Várias posturas tem aquele ponto de olhar pra algum dedão (mão ou pé) e acho isso absolutamente lindo. O capitalismo estourando lá fora e eu revolucionária olhando pro meu dedo e observando minha respiração ♥️
Caramba que interessante esse texto. Um dos motivos que fui me afastando do Instagram foi um pouco de vários temas que compartilhou.
Parecia que só a " minha medicina" nao funcionava. Não tinha grandes promessas e grandes protocolos, minhas consultas sempre foram muito individualizadas e feitas com carinho. Passo horas montando o programa e as receitas necessárias.
E além disso, parecia que para mim os efeitos eram diferentes.... a Yoga sempre foi meu momento e quando eu olhava nas redes sentia que " nao evoluia nas posturas" até que aprendi a olhar para meus limites e para a MINHA yoga com outros olhos.
Obrigada por esse texto.
Beijos e boa semana