Na era da arte misturada a tecnologia, os diários do artista podem ser acompanhados ao vivo. Não precisamos mais esperar o lançamento de coletâneas como as de Virginia Woolf e Sylvia Plath. Essa nova modalidade da experiência dá um toque de realidade de como um livro, um quadro, uma coleção ganha vida. E também entrega de forma literal que o processo nunca é constante nem homogêneo. Tem dias vazios e solitários e dias cheios e criativos. A obra se constrói com um misto de acontecimentos e imprevistos. Você acha que vai acabar em um ano e leva três. Uma desvantagem do mundo da internet é a do tempo. Esta força natural ganhou velocidade 2.0 nas nossas vidas quando deveria ter sido apenas nas máquinas. A angústia se instala no nosso modo de criar por desejarmos uma pressa e harmonia não possíveis neste campo (desconfio que não seja possível em coisa alguma). Resta a nós, construtores de arte ou não, lembrar que nossa "lentidão" é preciosa e necessária.
Pensei nisso da arte e do processo quando li minha amiga
escrever sobre apoiadores, criação artística e culpa. Me vi no texto dela porque no meu último envio pausei as inscrições pagas porque estou em tempo de recolhimento. Ana me puxou para realidade. Arte é arte também na pausa. "Criar é plantio. Investir na arte de alguém é esperar a semente crescer. E isso precisa necessariamente de pausas no processo." Sendo assim, reabri as inscrições pagas. :)Falar nessa minha fase, tenho refletido sobre minha necessidade de controle. Acreditei que estava mais livre e mais solta do tal planejamento. Eis que chegou setembro me atropelando e repeti todos os dias para meu marido: não era isso que eu tinha imaginado para este mês. Peço trégua ao universo todos os dias. Fui atendida por uns minutos porque estas notas estão saindo nesse pequeno fragmento de tempo com a cabeça no lugar. Ainda tem o fato da palavra precisar escoar. Talvez essa vontade de segurar a vida e os acontecimentos com minhas mãos encontre cura na escrita. Quanto menos escrevo, mais me sinto afundar no apego ao que "deveria ser". Escrever me desorganiza, como já escrevi aqui, e essa bagunça me faz aceitar a vida como ela é. Não tem corda para segurar, é preciso confiar apenas nos pés. Não está sendo fácil, no entanto, sigo tentando.
Na busca da distração enquanto repouso no meu cativo sofá - por sorte a vista é para janela e em frente tem uma árvore frondosa cheia de passarinhos -, assisti a série documental In Vogue - anos 90, no streaming da Disney +. Revivi tantas coisas da década. Como sempre, falar de roupa vai além da moda. Tem a questão do comportamento, da política, da ascensão da diversidade, da disrupção dos estilistas da temporada. As entrevistas são ótimas e diversas, da óbvia Anna Wintour, a diretora por trás da revista, até assistentes, modelos e figuras marcantes que viveram a temporada. Assisti feliz por ter vivido essa época em que tudo parecia um grande portal para as mudanças do século XXI. No fim, me senti meio triste por todo caos em que estamos vivendo e por tanto retrocesso. A moda em si se enfiou em um buraco com a onda de influencers rasos postando suas bolsas de grifes como se isso fosse estado da arte. A criatividade escorre pelo ralo nesse início de século a meu ver.
Com meu estado de repouso e letargia, não tenho novidades no campo dona de casa. Sequer piso na cozinha. Nessas horas a gente descobre se casou bem ou não. Deu certo por aqui.
Mudei de cidade/estado em 2021 e, agora com a experiência mais vivida, posso afirmar a percepção de uma constante sentimental. Setembro é oficialmente o mês do início de uma saudade mais insistente. Deve ser porque está próximo de fazer um ano da última ida (costumamos ir em dezembros) e porque Recife na primavera e no verão é um deleite. O clima do veraneio, da praia e da preparação para os festejos do final do ano é impecável. Então, ando saudosa e carente das pessoas, das comidas, da vista.
Harvard já afirmou isso em uma pesquisa, mas trago meu próprio testemunho: uma vida mais feliz carece de amizades das boas. Ainda que com muitas amigas morando distantes, me senti abraçada e acolhida nesse tempo peculiar por todas. Sem elas, nem sei quem sou. O que me despertou este insight foi um episódio do programa Mais cor por favor, do canal GNT. Uma mulher recém separada e com filho saindo de casa, estava morando sozinha pela primeira vez e queria reformar sua varanda. A celebração da repaginada foi com karaokê e as amigas reunidas. A vibração dela amparada por esse grupo foi lindo de ver. Imagina passar por uma dessas sozinha? Pois bem, tenho observado que os jovens andam menos abertos à construção de amizades e me pergunto onde isso vai parar. A solidão é cruel, não a subestime. Use suas forças e o que te resta de carisma para encontrar com quem partilhar a vida para além do conjugal. Sempre é bom deixar também um pouco de energia para exercício físico.
Li A vida invisível de Euridice Gusmão, da Martha Batalha, e foi um deleite. A autora consegue trazer na ficção muitos dos sentimentos entranhados nas famílias brasileiras. Até as personagens coadjuvantes são permeadas por tramas que dizem muito sobre como este país se construiu. Brilhante. Já li, da mesma autora, Chuva de papel e recomendo também.
E finalmente terminei Trilogia de Copenhagen, da dinamarquesa Tove Ditlevsen, e achei o começo arrastado e pouco animador, já do meio para o final é triste e pesado. Meu humor do momento pode ter influenciado nesse olhar. Chorei em algumas páginas. Alerta gatilho no tema dependência química.
Para fechar… estava rolando o feed do Instagram e me deparei com comentários negativos em um post sobre a nova turma de apresentadoras do programa Saia Justa, do canal GNT. Em resumo, as pessoas pareciam querer mais profundidade e temas mais densos. O novo grupo está no ar junto há um mês ou pouco mais, o entrosamento está se formando. Ainda assim, eu gostei. Achei leve. Quando li os feedbacks negativos, me questionei: será que perdemos a capacidade de nos divertir? Tudo precisa nos fazer pensar como se estivéssemos em uma sessão psicanalítica? Talvez, na nossa necessária busca por equidades e afins, estejamos colocando peso demais no coração. Inclusive, no Saia justa, vale destacar as apresentadoras Eliana e Rita Batista como duas mulheres maduras, uma loira branca e outra negra, plenas, seguras, falando tanto sobre envelhecimento como de vaidade e de bobagens. Isso é meta de vida, gente.
Uma semana leve por aí.
Um beijo,
Gabi.
Amiga querida, feliz em ser parte dessa trupe que te abraça (mesmo que virtualmente) nos meses de sofá. PS: Olhinhos molhados aqui ao ler que minhas reflexões lhe colocaram no movimento e reabriu as assinaturas. Que seu tempo de introspecção e mudanças lhe traga novos olhares para sua arte e alimente a artista que lhe habita.
Que delícia te ler, Gabi! Tão leve, que parece que estou no seu sofá!
Ainda não comecei a tetralogia, mas já criei expectativas. 🫢