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Nunca chorava com livro. Filme então...
Chorei tão pouco com essas coisas que lembro com detalhes de quando aconteceu. Uma delas pode parecer ridícula. Foi em uma cena do primeiro filme de Sex and The City. Carrie encontra Big depois dele não aparecer no casamento deles. Ela taca o buquê na cara do não mais noivo, grita desesperada, as amigas em volta numa cúpula para protegê-la, aí Charlotte aparece e berra também. Charlotte nunca grita. Eu chorei. Me apeguei àquele quarteto, foram muitos anos, muitas dores de romance e de vida compartilhadas por tela.
Eu tinha certo orgulho da ausência das lágrimas. Uma coisa meio mulher independente, segura, forte. Essas bobagens que insistimos em associar ao feminismo. Talvez tenha sido uma forma de nós, da geração 30+/35+, sobrevivermos ao machismo. Chorar era coisa de mulherzinha e, vocês sabem, ser do gênero feminino não era coisa que valia a pena ostentar. Não acho que resolvemos esta questão, mas melhoramos muito. Agora sabemos que não precisamos nos apequenar ou nos portar como o outro para existirmos enquanto indivíduos.
Lembrei de outro dia que chorei. Foi quando estava lendo O caçador de pipas (2003). Tinha uns 16 ou 17 anos. Fui pega de surpresa por uma cena terrível nas páginas. Naquela época não havia o “gatilho” avisado. Fechei o livro e quase desisti da leitura. A lágrima escorreu, não foi um daqueles choros de soluçar. Eu sei que tocou fundo demais porque tive pesadelos por uma semana e por ter dito a minha mãe: ninguém me avisou que seria triste. Foi quase um “como você me deixou ler isso?”. Risos. Meus pais nunca barraram leituras, exceto se envolvesse luxúria. Lembro de ficar fascinada com a capa de A casa dos Budas ditosos (1999) e do meu pai dizer: esse ainda não.
Eis que há uns dois meses, aos 35 anos, chorei assistindo Querido menino (2019). Meu marido não acreditou quando contei. O singelo adjetivo que ele me deu sobre o tema foi coração gelado porque quando assistiamos algo juntos eu permanecia intacta. Ele, coração de manteiga, chora com Lilo e Stitch (2002) e não terminou seus votos no nosso casamento porque não conseguia falar de tanto choro. No entanto, depois do dia de lágrimas e soluços sozinha enquanto acompanhava as cenas do filme, a torneira parece não querer mais fechar.
Tivemos, aqui em casa, uma temporada de filmes tensos e, convenhamos, a vida real está na mesma frequência há alguns anos, então decidimos priorizar títulos animados. Os melhores são dos anos 1990 e 2000, os aviso. Neste feriado, escolhemos um mais recente, Como ser solteira (2016) e outro mais antigo, Jogos de amor em Las Vegas (2008). No primeiro, lágrimas desceram no final, no segundo me emocionei com uma cena boba qualquer. Mês passado foi com o livro O céu para os bastardos (2023), da brasileira Lilia Guerra, que é realmente avassalador, mas não deixaria meus olhos molhados até outro dia. Culpa minha, não da leitura em si.
Esta crônica está se tornando quase um depoimento de terapia coletiva, ou seja, é hora do fim. Não vou adentrar nas razões para essa tentativa de não ser frágil e nem mesmo trazer à tona que na vida real choro com qualquer discussão barata por aí. Isso deixarei para meu terapeuta, no individual. Aqui, os deixo com a única conclusão possível.
"oi, meu nome é Gabriella e estou há dois meses livre para chorar".
Aos novatos, aviso: todo primeiro texto do mês envio uma música junto. Na de hoje, se você for de chorar, prepara o lenço. Essa me emociona e, claro, nos últimos meses tem marejado meus olhos.
I danced myself right out the womb {Eu sai do útero dançando}
Escrevi aos 45 do segundo tempo, perdoem possíveis erros da digitação sem revisão. As ideias estavam no fundo de um poço chamado “fim de ano” + daqui a pouco é a FLIP (Festa Literária de Paraty) e estou ansiosa pois irei pela primeira vez. Inclusive chegou o livro coletânea Nós que contém dois textos meus. Compre aqui! Olha que lindeza:


Uma curiosidade: hoje estava na praia e um menino de uns três anos chorou por minutos por causa de algo errado com seu chá mate. Na verdade, ele achou que havia algo errado. Sua mãe, lindamente, o abraçou e deu colo. Fiquei pensando em como temos liberdade, quando crianças, em lares saudáveis, para chorar, pular, vibrar, rir. Ainda não sabem lidar com muitas coisas e o chá se torna razão para sofrer, eu sei. Quando adultos somos mais fortes sobre as pequenezas. Mas, endurecemos demais? Não acho que estamos mais aptos com nossas emoções exatamente, talvez estejamos mais safos em escondê-las. Mal choramos nossas dores e costumam ser bem maiores do que por um mate. Comecei este texto antes de sair de casa, logo após o café da manhã, aí vi esse menino e tudo se fechou. Ser livre é se permitir sentir. Gargalhar muito e chorar sempre que der.
Uma semana em que se possa chorar seja lá porque razão.
Um beijo,
Gabi.
O choro é livre
Quando criança eu era apelidada de forma pejorativa pela família de manteiga derretida. Nisso, associei totalmente o choro a algo ruim e sempre tentei evitar ele a qualquer custo, em especial em público (no aconchego da minha casa choro em todos os filmes infantis possíveis, a pequena já até acostumou hahaha). Faz pouco tempo que tenho mudado minha relação com as lágrimas e olhado para elas com afeto. Semana passada chorei, de alegria, ao ler as últimas páginas de cor púrpura, chorei pela redenção de tanta gente sofrida, chorei porque era belo demais para guardar dentro de mim. Lindo seu texto Gabi!!
Eu sou daquelas que chora ao ouvir uma música, decorando a árvore de Natal, quando meu filho me abraça e diz que me ama.... sou do time do seu marido. Também chorei ao ler O Caçador de Pipas e, diferente de você, não consegui continuar a leitura. Meu choro doeu no peito....
Quando mais nova eu achava ruim ser "chorona". Não combinava com a imagem de profissional respeitada que eu tanto desejava (tal como você belamente descreveu sobre feminismo e machismo). Hoje já consigo encarar como algo bom, que me conecta com tantas outras pessoas. Por aqui a torneira das lágrimas parece nunca fechar. :)