Atenção: esta não é mais uma notícia ruim, trago dicas de sobrevivência e uma dose de amor ao final.
Tem dias que sento no sofá com meu café e tudo que me vem à cabeça é a lembrança de vovó Maria sentada no canto do quintal da sua casa lendo a bíblia enquanto eu brinco por ali criando histórias na minha cabeça. O sol está baixo - ela sempre esperava por essa hora - e cada uma está no seu mundo particular, se divertindo. É meu refúgio, é para onde quero fugir quando o mundo está difícil demais. Não chamaria de saudades da infância, mas de saudades desse espaço protegido em que eu nem sabia das tretas de um mundo em retomada pós Guerra Fria e de um país com a entrada e saída de Collor.
Tenho certeza que você também pensa em um lugar como esse, mesmo que nunca tenha existido esse acolhimento em sua vida (sinto muito), e é a ele que você deseja voltar/ir quando está no que chamamos hoje de fadiga de noticiário. É, tem nome e pesquisa para sua angústia. Segundo dados da Reuter Institute, 54% dos brasileiros evita consumir reportagens e outros produtos jornalísticos (podcast, newsletter, programas de rádio). Este número é o dobro do medido em 2017 e nos coloca na posição de país com o maior número de fadigados do mundo, especialmente entre os jovens. Como pontuou a Revista TPM em seu post sobre o caso "(...) parece haver uma ligação clara entre a desgovernança e a credibilidade jornalística. Ou seja, quanto mais "confusa" a política do país, mais aversão às notícias.". Não é de se estranhar, a realidade está cruel mesmo.
Foto: Nathalia Segato
Entre os comentários do post da TPM tem quem alegue que se afastou das notícias porque a imprensa no Brasil é uma farsa e tendenciosa, tem quem se intitule alienada pelo bem da própria saúde mental e tem até quem ainda consuma matérias e se chame de masoquista por isso. Quando posto reportagens tensas nos stories do meu Instagram, recebo no direct várias mensagens de pessoas relatando angústia e aumento de sintomas de ansiedade quando as consomem com frequência, por isso desistiram de se informar.
Quando eu fugi
Também já fugi das notícias para evitar o cansaço e a mente adoecida, foi em meados de 2020, quando eu entrei no ciclo da ansiedade no meio do caos pandêmico. Sou jornalista, na formação e essência, então se fiz isso, acreditem, era caso sério. Não aguentei muito tempo e logo voltei a consumi-las, mas dessa vez com um esquema de segurança mental (conto logo mais sobre isso).
Apesar de compreensível, o movimento de evitar noticiários por completo tem pontos negativos que precisam ser colocados na mesa para assim estarmos conscientes dos efeitos da nossa decisão. No contexto individual, uma treta é ao nos afastarmos da realidade, também perdermos a noção de alguns perigos, como por exemplo, nos picos dos casos da pandemia, quando é necessário redobrar cuidados, você permanecer na ilusão de estar tudo tranquilo.
Pensando em um contexto social, fora das nossas bolhas, tem efeitos, eu diria, devastadores. Em um trecho do livro O momento de voar, da Melinda Gates, tem destaque a nossa tendência a evitar olhar para os vulneráveis. Melinda relata um hábito muito comum que é o de passarmos por mendigos desviando os olhos para o lado oposto a fim de não ver aquela tragédia. Sabe por que fazemos isso? Porque a dor do outro também dói em nós e porque sentimos culpa. Só que quando viramos o rosto tentando nos proteger, ignoramos a possibilidade de ajudar e proteger o outro.
Foto: Amber Weir
Entendem onde quero chegar? Ao evitarmos notícias, aplacamos nossas dores e nos protegemos, o que é, repito, louvável, e ao mesmo tempo viramos o rosto para os vulneráveis. Portanto, ter a opção de ignorar é um privilégio, concordam? Os prejuízos sociais do "não ver" vão desde votos não conscientes até não pagar um prato de comida para uma pessoa que mora na rua. Outro problema de não se informar é que isso favorece o governo que está na cadeira do poder, especialmente aqueles que se utilizam de fake news e redes sociais como veículos. “Democracias, para funcionarem bem, precisam de estruturas independentes do Estado, de fora do poder, sempre desconfiadas de quaisquer governos, investigando, analisando, informando.”, como bem pontuaram os editores da newsletter Meio no Dia Nacional da Liberdade de Imprensa.
Sua dor tem razão de ser
Não quero dizer com esses pontos levantados para você se obrigar a acompanhar as notícias nem um "você que lute com sua ansiedade". Tanto os problemas sociais, quanto os pessoais são importantes e sou, como defensora da saúde mental em dia, sempre a primeira a apoiar quem faz escolhas em prol da própria qualidade de vida. Consumir as notícias pode mesmo aumentar o cortisol e adrenalina, hormônios do estresse, e se você já está em fase ansiosa, isso pode desencadear sintomas como fadiga, insônia, taquicardia ou mesmo um medo intenso de sair na rua, como aconteceu com pessoas que tiveram e ainda têm dificuldades para voltar ao mundo depois da pandemia estar mais controlada. Estamos, então, diante de um paradoxo?
Como de costume, nada é tão pão pão queijo queijo. Espero que vocês conheçam essa expressão arcaica. haha Tem uma música chamada Vienna, do Billy Joel, que fala, em tradução do site Letras.Mus, "É melhor você se acalmar antes que você perca tudo, você tem tanto o que fazer e tão poucas horas em um dia" (pasme, foi lançada em 1977). É essa minha primeira sugestão, ouça a música - no final do texto - e vá com calma porque estamos em um turbilhão não só de notícias, mas de canais para elas chegarem até você - se não notou, é bem impossível se livrar de sabê-las se usa redes sociais ou Whatsapp - e isso cansa. Sem dúvidas, umas das razões para o sua fadiga de noticiários é o cansaço geral causado pelo estilo de vida moderno que tem como base estímulos ao nosso cérebro 24 por 7.
Sobrevivendo ao caos
Como citei, voltei as informações com esquema de segurança, digno de presídio de segurança máxima. Vou colocar em lista aqui para facilitar a captura de vocês:
Assinei uma newsletter que me envia um e-mail por dia com informações factuais e quentes. É uma curadoria ótima, para minhas preferências, e resume bem as últimas 24h. Se chama Meio e a versão gratuita já é excelente (mas, se puder, pague!). Para assinar, clica aqui.
Só utilizo duas redes sociais: Instagram e Whatsapp. Procuro abrir o Instagram cada vez menos porque se abrir, é um limbo. O Whats me facilita conversas boas com amigos, mas restrinjo grupos e priorizo os contatos profissionais por e-mail.
Gosto e consumo com frequência newsletters, mas escolho os temas do meu interesse. Leio, geralmente, nas sextas mesmo que cheguem antes.
Acompanho alguns podcasts, mas tem fases que não dou conta e aí simplesmente não ouço. Prioridades!
Quando alguém me envia notícias por direct ou whatsapp, não leio imediatamente. Reflito se é a hora para isso e se não for, sigo o baile.
Aos poucos entendi meu limite diário para tretas e fui sinalizando isso para quem convive comigo. Meu marido já pergunta: posso contar uma treta ou já deu para você hoje? E aí respondo se vai rolar.
Não consumo TV ou vídeos ou imagens relacionadas a tragédias à noite! Sou sugestionável e não assisto nem filme de suspense nesse horário porque interfere no meu sono.
Falando em TV, de tempos em tempos, a depender da treta atual, consumo canal de notícias. Geralmente mais próximo das eleições ou quando iniciou a guerra da Ucrânia e situações semelhantes.
Esgotou real? Você tem todo direito de dar um tempo. Faço isso e aí deslogo até do Instagram. Inclusive, em férias, gosto de sair de cena mesmo sem estar esgotada necessariamente.
Sim, tem os antiéticos na imprensa. Por isso, escolha bem sua fonte e veículo e siga desenvolvendo seu senso crítico com base na ciência. Evite dar ibope a sites e colunistas duvidosos.
Perceberam que o segredo é a dose? Fui testando aos poucos e descobrindo a minha; não só para não ser alienada, mas porque é importante sentirmos alguns impactos e até mesmo raiva para podermos agir. Coragem, segundo a autora Brené Brown, especialista em vulnerabilidade, é se deixar ver. Às vezes evitamos nos ver com emoções deste tipo, principalmente mulheres. "Um dos modos mais puros de nos deixarmos ver é reivindicar o que queremos - especialmente quando ninguém quer que tenhamos acesso a isso", Melinda observa em O momento de voar. Não conseguiríamos debater e exigir direitos sem o apoio das fontes de informação e imprensa e sem a coragem de ser vulnerável ao nosso sentir e o do outro. Como a criança da notícia do aborto negado seria salva se não houvesse nosso barulho? O jornal publica e a gente, a sociedade, coloca a boca no trombone.
Agora, a música para suavizar porque aqui a gente aperta e afrouxa tal qual é a vida para Guimarães Rosa, e mais uma vez: o que ela quer da gente é coragem.
Desejo que o mundo se torne um pouco melhor para nós e assim tenhamos mais notícias boas,
um abraço acolhedor,
Gabi
amei! amei amei amei! vou adotar as estratégias, pq não tá fácil... mas, se isolar, tbm não é o caminho!
Tenho o mesmo sentimento: sou jornalista (primeira formação) e quase-economista (em fase de TCC), e ver jornal - especialmente notícias políticas e econômicas - me dói duplamente, primeiro pelo viés a partir do qual a matéria foi escrita/veiculada e segundo pelos erros frequentes na explicação de conceitos. Sem falar na raiva de ver os desmandos do governo e pensar, ao ver o presidente dando entrevista, "como esta anta foi parar nesse cargo?". É um sentimento de azia tamanha a raiva, e às vezes prefiro desligar a tv ou ir pra netflix e consumir apenas documentários sobre temas específicos (holocausto, golpes na internet, problemas de saúde, etc.). Achei interessante ter levantado que essa fuga é um privilégio - fato que eu havia pensado antes e discutido entre amigos, mas não sabia se era apenas uma impressão ou se condizia com a realidade. Excelente texto!