A ousadia de pedir ajuda
Estamos adoecendo sozinhos e morrendo de vergonha de pedir suporte, como se isso fosse sinal de fraqueza. Não é.
Citei em uma newsletters lá do nosso comecinho que não estava respirando bem por causa de uma crise de uma rinite que se estendia há meses, portanto também não dormia bem. Apenas quando essa situação atingiu níveis de desespero, procurei ajuda. Primeiro do meu médico clínico, depois de uma otorrino mais especializada. Faz mais ou menos 6 meses que, após tratamento, voltei a ser uma pessoa com noites normais.
Para muitas coisas na vida, faço esforços hercúleos para me resolver sem precisar de suporte. Poderia chamar de autonomia, mas não seria 100% honesto. E sei que não sou a única nessa situação.
"A maioria de nós sabe muito bem prestar ajuda, mas, quando se trata de vulnerabilidade, é preciso saber pedir ajuda também. (...) Minhas maiores transformações pessoais e profissionais ocorreram quando comecei a perceber quanto meu medo de ficar vulnerável estava me tolhendo e reuni coragem para revelar minhas lutas e pedir ajuda.", explica a pesquisadora americana Brené Brown, especialista em vulnerabilidade, no seu livro A coragem de ser imperfeito (2012).
Você sabe pedir ajuda?
Como relatei, protelei o pedido de ajuda quando se tratou de uma questão física “simples” que pode desencadear complicações como a questão do sono. Associei fortaleza a resistir e a lutar sozinha e é aí que mora o perigo. Este comportamento, tão comum em todos nós, é bem grave em um assunto que considero essencial aprendermos a reconhecer nosso limite individual. E é justamente nele que menos temos coragem de procurar apoio. Falo aqui de saúde mental.
Atenção: não quero dizer para você que já está em um quadro severo ou em crise, que é uma obrigação sua se movimentar e pedir ajuda. Nesse caso, tudo é nebuloso. Quem está ao redor e percebe pode dar suporte e levar quem está em sofrimento ao atendimento profissional. Se não, no momento em que estiver na superfície, procure suporte médico!
A vergonha da dor
É comum carregarmos uma culpa por sentirmos o que estamos sentindo quando se trata de transtornos mentais. Nossa cultura insiste em posicionar os sintomas como preguiça, fraqueza e até mesmo como comportamento de uma geração mimada. Não à toa, mesmo quando os sinais se tornam físicos e sequenciais, há uma insistência em negar o quadro e em se manter “perfeito”, ao menos nas aparências.
"A ansiedade é bastante mutável (…); também pode se manifestar como as diarréias que me forçaram a decorar a localização de todos os banheiros de Princeton.", explica o autor e psiquiatra americano Judson Brewer, no livro Desconstruindo a ansiedade (2021), já citado em outro envio da news. O médico descobriu seu quadro de transtorno ansioso quando seu intestino o obrigou a procurar um médico, ainda na fase de estudante. Ele tinha certeza que era Síndrome do Intestino Irritável.
O que está por trás dessa negação não é apenas não querermos esse diagnóstico e suas consequências, mas principalmente por nos envergonharmos de estarmos nessa situação. Não conseguir explicar as causas - completamente normal - também aumenta a vergonha e aí a pessoa precisa lidar tanto com a doença em si quanto a reação a ela. Além disso, muitas famílias ainda não têm informação ou consciência suficientes para lidar com a condição e apoiar o parente adoentado.
Por que nos sentimos mal?
Ainda não temos respostas conclusivas sobre as razões para uma pessoa ter depressão ou qualquer outro transtorno mental. Segundo o pesquisador e professor, PhD pela Universidade de Wisconsin, Corey Keys, com quem tive aula sobre autocuidado e saúde mental, o fator genético não é determinante. Pensando no número de pessoas ansiosas e depressivas no mundo atualmente, esse coeficiente realmente perde o sentido, pois significaria todos nós sermos parentes diretos.
Há um conceito na psicologia chamado "contágio emocional", criado pelo psicólogo americano John T. Cacioppo em colaboração com a psicóloga Stephanie Cacioppo, que quer dizer que somos influenciados pelas emoções ao nosso redor. Portanto uma pessoa que viveu em ambientes de pessimismo ou tristeza profunda tende a repetir o padrão, assim como quem cresceu em atmosferas positivas, propenderia ao otimismo. Então, a causa e efeito seriam resultado comportamental e não genético. Mas, isso também não é regra. Há quem siga pelo caminho oposto e passe a repelir o modelo de convivência de sua família.
Outro fator que influencia é a vida social e econômica. Países seguros, com estabilidade econômica e sem desigualdade social costumam ter não só menos casos de transtornos mentais como menos diagnósticos graves. Por exemplo, o número de óbitos, no Brasil, relacionados a lesões autoprovocadas dobrou entre 2000 e 2021, segundo o Datasus; circunstância vista apenas na América Latina.
A cultura também é considerada um indicador importante. Uma sociedade com hábitos de saúde nocivos enfrentam mais dificuldades, mesmo com cidadãos em níveis financeiros favoráveis. Os Estados Unidos é um desses casos. O roteiro do recente filme A baleia1 (2022), dirigido por Darren Aronofsky, retrata através da história do personagem Charlie, com atuação do ator Brendan Fraser, a realidade de 9,4% dos adultos americanos. Segundo o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), essa era a taxa de obesidade mórbida no país em 2020, uma doença que leva a complicações graves de saúde física e mental.
Atentem que este dado não é sobre padrão de beleza de corpos e sim de pessoas que perderam a mobilidade e a autonomia o que as leva a um quadro depressivo ou vice-versa. Há, no país, um forte apelo industrial que impulsiona sedentarismo2 e distúrbios alimentares3. O resultado desse combo é que, em 2022, um a cada cinco americanos vivenciaram transtornos mentais, de acordo com National Institute of Mental Health (NIMH).
Todo este levantamento nos indica que qualquer um dos diagnósticos deve ter uma causa multifatorial, ou seja, mais de um gatilho causador. Também comprova que nunca é culpa de quem está passando pelo problema e isso precisa ser repetido exaustivamente porque a cultura não leva apenas a doença, como a americana, mas ao não tratamento dela. É o que ocorre no Brasil.
"(...) 80% das pessoas no Brasil não se tratam e o principal motivo não é falta de acesso ao tratamento, mas preconceito – justamente por achar que é fraqueza, ou que a pessoa tem que reagir. Ninguém acha que tem que reagir contra asma – mas acha que tem que reagir contra sintomas psiquiátricos, o que é um grande preconceito", falou o psiquiatra brasileiro Daniel Barros em uma reportagem no Portal G1.
Atenção ao seu sentir
Como uma pessoa ansiosa, já vivi inúmeras fases mais desgastantes relacionadas a minha mente. O que não quer dizer também que sejam facilmente capturáveis. Durante a pandemia, por exemplo, não dei o devido valor a um desanimo porque achei que todos estavam assim já que o mundo estava de cabeça para baixo. Talvez muitos ainda estejam assim de fato, mas, independente da causa, é preciso reconhecer que não é saudável. Tristezas e frustrações são inegociáveis na vida, sentir isso deve ser normalizado. Mas, se começa a afetar sua rotina ou se estende por muito tempo, é bom se observar.
Na rotina acelerada em que estamos é corriqueiro deixar passar sintomas na fase inicial. Se você está me lendo e tem certeza de que está em pleno funcionamento, respire um pouco. Faça pausas diárias de 10 a 20 minutos e se observe. Faça um diário das emoções. O mundo não está mesmo para brincadeira e isso nos afeta de um tamanho maior do que o imaginado. Respire mais uma vez.
Uma das nossas dificuldades em pedir ajuda é por não conseguir verbalizar o que está acontecendo conosco. Conheça sua fisiologia, mas também suas emoções.
É hora de pedir ajuda
Procure ajuda profissional ou peça para que amigos ou familiares te levem até médicos ou psicólogos se:
Sentir:
Tristeza profunda persistente
Medos que te impedem de realizar tarefas costumeiras
Falta de interesse em atividades que antes eram prazerosas
Sensação de inutilidade
Solidão
Desesperança
Culpa constante, especialmente por se sentir como está
Perceber alterações comportamentais como:
Checar a porta inúmeras vezes ao dia
Não sair mais de casa com medo de se infectar com vírus e bactérias
Não comer em restaurantes por receio de contaminação
Uso excessivo de celular ou redes sociais
Identificar:
Tremores nos membros ou tremores nos olhos de forma repetitiva e prolongada
Perda de apetite
Insônia ou sono excessivo
Cansaço físico extremo
Diarréia ou prisão de ventre repentina
Dores de cabeça ou enxaquecas que te exigem medicamentos semanais
Compulsão alimentar
Aumento de consumo de bebidas alcoólicas ou cigarros
Esta lista é apenas uma pequena amostra. Cada corpo e mente são guiados por características próprias, o que te mostra se algo está seguindo um curso não saudável é a percepção de mudança no seu padrão comportamental.
{O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, email, chat e voip 24 horas todos os dias. A ligação para o CVV em parceria com o SUS, por meio do número 188, é gratuita a partir de qualquer linha telefônica fixa ou celular. Também é possível acessar para o chat}
Lembre-se, sinal de coragem é pedir ajuda. Não precisamos carregar o mundo nas costas e nem mesmo todos os nossos problemas.
Um abraço,
Gabi
1: O nome do filme não é relacionado a qualquer xingamento gordofóbico; o nome original, The Whale, é uma referência ao livro Moby Dick, do Herman Melville, que faz parte do roteiro. Além disso, o termo não é usado com o fim de provocar ofensas nos Estados Unidos.
2: De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), em 2020, cerca de 24% dos adultos nos Estados Unidos relataram que se exercitam o suficiente para atender às diretrizes de atividade física recomendadas.
3: De acordo com a American Diabetes Association, 34,2 milhões de americanos equivalentes a 10,5% da população, tinham diabetes em 2020. Além disso, estima-se que cerca de 88 milhões de adultos no país tenham pré-diabetes. Segundo a Associação Nacional de Transtornos Alimentares Americana (ANAD), em torno de 9% da população tem um transtorno alimentar em algum momento de suas vidas.
Remédios de recomendação psiquiátrica são muito importantes e salvam muitos pacientes. Mas, precisam ser usados com responsabilidade. Procure ajuda de um bom profissional e não utilize nada apenas porque um amigo está tomando. Nenhum fármaco deve ter uso indiscriminado. Cuidado!
Gabi, assisti ao filme A Baleia ontem e passei a sessão inteira na angústia exatamente para que ele aceitasse ajuda – ainda com toda a questão por trás da saúde dos Estados Unidos, que fica latente na história, e eu acho revoltante. Fiquei assustada com o dado de quase 10% dos americanos viverem nesta condição, não tinha ideia. Encontrei mais uma reflexão importante aqui, o limite entre pedir/aceitar ajuda e o privilégio de ter como/a quem pedir... :-(
Muito legal trazer esse tema Gabi. Infelizmente para além do preconceito para tratamento de doenças psicológicas tem a questão do acesso também, grande parte da população brasileira depende deste atendimento pelo SUS e ele ainda está muito longe de ser o ideal (são sessões limitadas, tempo limitado e lista de espera longa). Mas para além disso é interessante analisar que, sejam em países ricos ou não a raiz destes distúrbios é o capital e sua estrutura que nós leva ao adoecimento. Fico com uma pergunta na cabeça: Tem como sermos realmente saudáveis dentro deste sistema? (A problematizadora hahaha)