Lembro claramente do dia que fui ao médico com o resultado dos meus exames para saber o que estava me causando aquele reboliço. Coloquei a papelada na mesa, perdida como quem está no primeiro dia numa cidade nova, e esperei o veredicto.
Você tem intolerância a lactose acentuada e há indícios sobre reação a glúten, mas por hora vamos tirar só o leite. Também está com o duodeno inflamado e isso significa que sua flora foi alterada. Vamos precisar de alguns remédios.
Voltei para casa lembrando do pudim de leite da minha mãe e ignorando 100% essa história do glúten porque era muita coisa para lidar de uma vez. Cheguei, liguei o computador e abri o Google. Meu cérebro se abriu naquele momento com mil informações, cápsulas de lactase, alimentos disponíveis no Brasil e fora. Lembro que meu pai estava viajando na semana e quando contei do diagnóstico, ele comprou um lote de lactase (acabei nunca usando) e trouxe porque aqui não tinha - o ano era 2013.
Foi com essa treta que começou minha saga de pesquisas em saúde. Muitos médicos não entendiam ainda minha demanda (e ainda tem desses), nada era muito claro nos rótulos, as reportagens sobre o assunto focavam apenas em emagrecimento. Foi preciso me tornar quase uma especialista; mergulhei tanto que na outra consulta, o médico me chamou de cientista. Mal sabia eu que o buraco ia descer ainda mais e o quanto aquelas investigações iriam mudar minha vida. Também me enlouqueceram um pouco? Sem dúvidas, ser a paciente e ao mesmo tempo a que tenta entender o que se passa foi exaustivo. Não é justo, mas ao menos me trouxe até aqui.
As mudanças alimentares envolveram cozinhar mais e o primeiro item que aprendi a fazer, sem glúten (é, não posso comer glúten) nem lácteos, foi o brownie. Uma delí, por sinal.
Hoje tenho um médico que entende minha saúde de forma integral, é atualizado, gentil, atento, e graças a isso não preciso, por obrigação, pesquisar tudo que ele sugere. Mas, sei que isso é uma raridade. Mais ainda quando se trata de saúde mental e bem estar no geral. Assim como também sei a quantidade de reportagens ainda focando em padrão de beleza e estética e o quanto algumas divulgações são confusas. Este mês, portanto, quis fazer uma curadoria de links com informações sobre assuntos complexos, por vezes polêmicos, sobre estar bem e estar doente e que a meu ver trazem conhecimento sem ruído.
Na última newsletter enviada, falei sobre os dados do Brasil em relação à ansiedade e em uma das minhas pesquisas apareceu um especial da Folha de S. Paulo chamado Brasil no divã - é uma série de reportagens sobre saúde mental. Vale a leitura para entender a quantas anda o nosso país e daí dá para entender porque vemos tantos posts no Instagram sobre cansaço e tristeza. Estamos mesmo na pandemia de transtornos mentais.
"Quero saber se o fato de às vezes me sentir à beira de um colapso tem alguma relação com o fato de o mundo às vezes parecer à beira de um colapso", frase do livro Observações sobre um planeta nervoso, do autor Matt Haig. O jornalista britânico já escreveu outras vezes sobre saúde mental, como em Razões para continuar vivo, com tom pessoal contando sobre seu diagnóstico de depressão e pânico. Mas, neste, ele levanta dados relevantes do tema, faz análises críticas e questiona os rumos que estamos dando à nossa vida neste século. Brilhante, curto e simples.
Foto: Nubelson Fernandes
Michael Pollan é um outro jornalista que ajuda a traduzir os acontecimentos atuais e a ciência para o público geral. destaque dos últimos anos. Pollan pratica o que chamamos de jornalismo científico - também o chamaria de investigativo - e tem grande repertório no tema saúde em diversas vertentes. Seus maiores sucessos no Brasil são com os livros sobre comida industrializada como o Dilema do onívoro e Regras da comida, este último curtinho e com linguagem acessível. Além dos escritos, o americano tem uma série no Netflix chamada Cooked, tem 4 episódios sobre origem de alimentos e a cozinha. Agora, Pollan tem uma newsletter, The Microdose, e um documentário sobre uso de psicodélicos como tratamento e de forma séria. Para ler e/ou assinar:
Precisamos estar atentos sobre o uso de remédios de forma autônoma. Como citei na última news, li uma reportagem do portal IG sobre a máfia das receitas e até vendas dos comprimidos de tarja preta (com ação sedativa, analgésica ou estimulante, apresentando um maior risco de dependência). "(...) ela passou dois anos tomando o remédio diariamente, sem pausas. Começou com uma dosagem menor de 30 miligramas e evoluiu para doses maiores de 50 e 70 miligramas. Recentemente, percebeu os efeitos colaterais do uso incorreto da droga – insônia, forte dor de cabeça e o vício.", é um dos relatos de Consumo de remédio para melhorar concentração cresce entre jovens. Cuidem-se!
O pediatra e sanitarista Daniel Becker tem um perfil ótimo no Instagram com dicas de saúde para crianças e família. Destaque para as recomendações de como evitar ir ao hospital em tempos de surtos de doenças, os riscos do uso de telas e redes sociais entre os pequenos e jovens e para a campanha de crianças vivenciarem mais a natureza, mesmo que nos pequenos parques.
Agora não é dica, é conselho: conheça bem seu corpo, seja curiosa (o) com seus sinais. É assim que ofertamos mais informação aos médicos nas consultas e também é assim que percebemos quando o profissional não é o adequado para seu caso ou perfil. Pesquisar para saber mais sobre o que é seu direito em bem estar e saúde também é valioso; deveria, claro, ser um acesso natural a todos, mas infelizmente ainda não é uma realidade. Quem tem informação, tem poder, lembram?
Um abraço e uma semana cheia de saúde para nós,
Gabi
Adorei as recomendações! O Matt Haig escreve muito bem e estou adorando ler o que ele publicou!