Eu tenho uma amiga que é mãe de uma bebê com pouco mais de um ano. Mora fora do Brasil com seu marido e mais nenhuma rede de apoio familiar. Conta com a creche gratuita que devolve a criança no fim da tarde e isso já é muita coisa comparando com o nosso país. Por isso ela está lá. Recentemente, decidiu voltar ao trabalho por necessidade de algo seu, individual; sempre foi excelente em vendas e conquistou uma vaga de gerente no comércio do setor alimentício. Agora ela precisa administrar este emprego com a maternidade, o casamento, os imprevistos.
Quando penso em recuar de algum projeto, em dar voz a ansiedade no meu ouvido prevendo fracassos, me lembro dela me dizendo “já pensei em desistir várias vezes, mas sigo”. Não é uma escolha exatamente racional. É um impulso de vida, uma vontade imensa de existir para além do que a cerca. Nos conhecemos há muitos e muitos anos e sempre foi assim. Uma adolescente e depois uma mulher com um amor imenso por sua família sem se anular, sem deixar de realizar sonhos, sem ir por um caminho que agradaria os outros e não ela.
Nos momentos em que penso em desistir, também lembro da minha mãe. Me pariu com 23 anos. Já trabalhava, mas amava estudar e sonhava com a faculdade. Quando eu tinha uns nove anos e minha irmã três, ela começou sua graduação em uma universidade pública. Estudou, trabalhou e nos criou fazendo inúmeros trajetos de ônibus. Muitos perrengues. Uma maternidade difícil e sobrecarregada? Sim. Ainda assim, não abandonou sua existência. Essa é uma das razões para minha dificuldade em falar e escrever sobre os percalços entre nós duas, tivemos muitos enquanto morávamos juntas. Ela moveu montanhas e transformou a vida de quem veio depois. Como não apaziguar certas coisas?
Meu pai também fazia faculdade nessa época. Era uma loucura a vida desses dois. Nos costumes padronizados, ela teria recuado para dar espaço para ele. Nunca aconteceu, Fátima fez mais de uma pós graduação, mestrado, cursos livres incontáveis. A paternidade era exercida e, quando éramos crianças, ele cuidava da gente enquanto ela saia. Alguns sábados por ano, era também o dia de encontrar as amigas. Eu a via sair feliz e voltar mais ainda. Um baita aprendizado.
Anos depois, no final da minha adolescência, meus pais se separaram. Lá foi ela fazer aulas de direção e meses depois já dirigia o próprio carro. Morávamos na nossa própria casa. Tínhamos sustento financeiro bancado pelos dois, sempre parceiros. Outro baita aprendizado. Deve ter sido doído para ela o convívio pós termino, mas persistiu por nós, suas filhas, e nunca deixamos de sentar todos juntos na mesma mesa (até hoje). A busca pela realização da minha mãe parece ter valido a pena. Por ela, também não desisto. Pergunto como ela aguentou essa jornada. A resposta: fé.
Sigo seus passos. Com mais privilégios do que outrora, faço o caminho com mais parcimônia. Graças aos esforços deles e por estar também numa relação de completa parceria, posso cuidar da minha saúde mental e física. Não vivo sufocada pelas contas se acumulando. Na sobrecarga, ela ficou doente mais de uma vez e em todas se reergueu. Talvez por isso eu tenha olhado para a saúde e o trabalho com um olhar de cuidado. Faço pausas e volto. Recomeço mesmo quando parece que não conseguiria mais. Haja coragem e… fé.
Não romantizo nada disso. Todos os ganhos da minha família tiveram um custo alto. Quando conversei com a minha amiga, mãe de uma bebê, reforcei: não é justo você passar por isso e fico feliz por você persistir. É o que temos para hoje, mais do que ontem e segue sendo tão pouco. Em todas as trocas com mulheres, mães ou não, há a demanda do tempo. Somos mais atropeladas, abrimos mão de tanto, perdemos tanto de nós mesmas nos cuidados distribuídos. É foda! {aqui tem um ótimo texto com dicas para construir uma parentalidade mais gentil e conseguirmos melhorar em termos emocionais, da ótima newsletter
}Às vezes, inclusive, o bem que se faz a si é desistir um tempinho. Talvez minha amiga sinta em algum momento a necessidade de recalcular a rota e busque outras formas de existir individualmente. Quem pode escolher ter um trabalho - seja cuidando de um humano ou da sua própria arte - que ainda não retorna dinheiro e segue este caminho também pode estar se escolhendo. São muitas possibilidades reais de viver quem somos e elas aparecem quando abandonamos as fantasias criadas em torno de esteriótipos. Trabalho é muito mais do que funções remuneradas.
Meu desejo era que minha amiga pudesse trabalhar em paz sem se sentir abrindo mão dela nem da maternidade. Amaria se minha mãe pudesse ter escolhido uma rotina mais leve e ao mesmo com tempo para seus sonhos e projetos. Trabalho e filho são mesmo duas questões dominantes na vida de quem escolhe ter crianças, incluindo quem exerce a paternidade presente. Não existe um mundo em que cabe tudo. Escolhas determinam perdas e em algumas fases elas são mais densas e mais chatas. Quero apenas que o peso ao menos seja igual para homens e mulheres. Enquanto não é, a gente segue sem desistir de ocupar nosso protagonismo. Assim como minha amiga. Assim como minha mãe. Elas me guiam e eu não me abandono. Ô sorte!
Fiquei pensando um tempão na música de hoje e cheguei nessa animação aqui. Último mês do ano, tudo que precisamos é de um reforço de alegria para seguir. Quando toca uma dessas e estou indo embora da academia, é puro deleite. Volto para casa dançante tal qual personagem de filme. hahaha Fica aí a recomendação.
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Uma semana de fé e continuidade.
Um beijo,
Gabi.
Obrigada Gabi pela lembrança! Amei seu texto! Reencontrar nosso Eu é um desafio constante, em especial quando nossa vida é tão intrinsicamente relacionada à existência de outro ser humano 🩷
❤️