Me perguntaram o que ando fazendo com meus dias nessa nova vida, a carioca. Respondi vagamente, falando mais no nós do que no eu. A pessoa do diálogo, sabiamente, respondeu: mas, e você? Fiquei bagunçando minhas gavetas cerebrais em busca da resposta e não encontrei. Usei umas frases soltas que já nem lembro mais só para não ficar no vazio.
Nesta fase de não só cidade nova como projetos novos, mais confabulo mentalmente sobre o que deveria estar fazendo do que fato de faço. Tenho 50 mil livros para ler, filmes e documentários que podem contribuir, além de podcasts para ouvir. Não falta tarefa. Ainda mais se eu contar - e devo contar - com as coisas usuais da vida como lavar roupa, louça, cozinhar etc. É preciso também por na equação meu perfil que carrega uma boa dose de comportamento distrativo e ansioso.
Na prática, ainda não encontrei todos os elementos necessários para construir uma rotina ou um “eu” mais exato dentro desta rotina. Não é exatamente sobre quem sou ou o que quero, isso eu até sei dentro das limitações do hoje, claro. Daqui um tempo tudo pode mudar. Na maturidade, no entanto, estou mais consciente que não basta saber de si. Depois das respostas, preciso também abrir caminhos e descobrir passagens. Talvez até a culpa dessa mudança de rota seja do próprio amadurecimento.
Passei uma temporada com o cérebro em pane seca. Foi um alto volume de informação, muito estresse, muita coisa para arrumar, muita imprevisibilidade. Não estava dando conta nem de ler newsletter direito e é algo que gosto de fazer. Era como se nada estivesse sendo capaz de ultrapassar as membranas. Portanto, estava fazendo muito e ao mesmo tempo nada. Cumpri todos os checks necessários e isso foi mais do que suficiente para o sufoco.
O clima se acalmou e agora tem muitas palavras dentro de mim que ainda precisam ser postas para fora e ficam estocadas enquanto cavo a areia para desaguarem. Chegou a hora de dar mais sentido a essa existência que, de fato, passa voando. E não falo aqui do trabalho em si. São as pequenas coisas, o cotidiano. Valorizo tanto esse tal que reflito e escrevo sobre ele, sobre as pessoas nele, sobre a vivência dele. Falta achar a resposta sobre como eu vivo ele. De novo: e você? O que faz com seus dias?
Procurando o eu
Estava voltando da academia, antes do diálogo citado no início deste texto, e cruzei com uma moça de biquíni indo para praia com um livro na mão; era hora do almoço. Foi só olhando para ela que me dei conta que posso fazer isso. Melhor ainda, eu quero. Menos nos dias mais frios, como hoje, porque não tenho tamanho pique. E por mais que a vista seja ótima, os treinos de corrida, quero fazer na esteira porque me garante uma estabilidade de velocidade, o que é ótimo para um quadril e uma lombar em situação de esculacho. A vista do mar eu quero para sentar e respirar com meus pensamentos e não para passar correndo.
Assim tenho feito.
Talvez na mesma semana que visualizei a moça do biquíni, um texto da Fabiana Guimarães - que autora! - me trouxe a superfície sobre o meu método de estudo e aprofundamento da escrita. Sempre aprendi lendo, inclusive matemática. Para distraídos como eu, a aula expositiva não dá conta. Aprender mesmo é em casa, no meu mundo.
Então, cataloguei então todos os livros que quero ler e estudar (os tendo ou não), organizei o tempo para isso e, embora ainda não esteja exatamente no ideal,
assim tenho feito.
Finalmente atualizei dados burocráticos de cnpj. Voltei a ler as newsletters em paz. Fiz uma semana de treino completa depois de alguns meses com tudo revirado. Descobri onde é melhor comprar flores para meu vaso da sala. Conversei com amigas distantes pelas mídias possíveis. Fiz muitos contatos de trabalho. Procrastinei um tanto de coisas como me parece ser normal no novo normal. Pensei em receitas.
É como tenho feito.
Me dei conta que meus dias não tinham exatamente uma falta do meu eu. Talvez cause uma estranheza no outro e até em mim o apreço pela simplicidade. Quando baguncei minhas gavetas internas em busca da reposta para o que tenho feito dos meus dias, já vinha fazendo tudo isso que citei. Não dei valor. Contudo, o que me faz ser eu, com ou sem palavras entaladas por dentro, é exatamente essas pequenas coisas que soam como banais, mas que para mim são grandiosas.
Marca de biquíni, idas à livraria, encostar o meu pé frio no pé quentinho do meu marido, café com bolo no fim de semana, almoçar açaí rapidinho para dar tempo de ir a praia, testar novos jeitos de fazer salada, ler no meu ritmo, encontrar amigos, assistir um filme novo e poder rever os quais tenho apego mil vezes, aprender coisas novas, pagar meus boletos em paz. Quero e busco tudo isso sabendo que não será exatamente assim todos os dias porque não estou em um roteiro de Manoel Carlos. Estou no meu e, por sorte, dizem que escrevo bem.
Esta poesia da Bianca Sparacino, Seeds Planted in Concrete, que vi neste post no Instagram cai como uma luva no tema de hoje.
Este daqui também, é um trecho do Nietzsche!
Senti profundamente a perda do escritor Milan Kundera esta semana, escrevi sobre ele aqui.
Outra perda sentida, esta do mundo da moda, foi da Jane Birkin. O anuncio foi feito poucas horas antes deste envio, ainda nem absorvi. Gostei deste post da jornalista Ana Garmendia sobre a atriz, cantora, modelo e inspiração para a bolsa Birkin, da grife Hermès.
Nas pesquisas pela imagem desta publicação, descobri um livro chamado Fotografias Deserdardas (2023), do curador Rubens Fernandes Junior, e nele tem a imagem abaixo, uma mulher se arrumando em frente ao espelho como referência ao dia a dia feminino (no século passado, vale avisar). Me lembrou um dos textos que li no livro Vou te dizer o que penso (ed. 2023), uma coletânea da Joan Didion. No ensaio “Linda Nancy” (1968), a autora vai, junto com fotógrafos, na casa da então primeira dama da Califórnia, Nancy Reagan, para registrar seu cotidiano e o que ela faria em um dia comum. Ela colhe flores, coloca em uma cesta de palha e monta um vaso, tudo com poses e sorrisos sob direção do fotógrafo. “(…) o sorriso de uma mulher que parece estar representando a fantasia de alguma mulher norte-americana de classe média em torno de 1948", escreveu Didion. Esse imaginário da mulher sem nada para fazer a não ser arranjos de flores e se pentear me parece seguir nos perseguindo. Talvez por causa dele, eu que trabalho em casa, escrevo e tenho flexibilidade, me sinta, por vezes, em 1948 também. Mas, nem na realidade dos anos 1940 nem na de 2023, é assim. Entre uma flor e outra, há muitas jornadas a serem cumpridas. O tema da minha próxima newsletter, pelo visto, já está pautado.
Uma semana simples para nós. Em breve teremos mais algumas novidades da news e deste um ano que provocou muitas maravilhas por aqui.
Um beijo,
Gabi
Oi, Gabi!! Me identifiquei super! As pessoas parecem querer sempre respostas grandiosas, a simplicidade parece até assustar no nosso mundo de espetacularização. Por muitos fatores na minha vida, tenho me dedicado mais a cuidar de Bento, meu filho de 2 anos. E olha que projeto tão simples quando pensado em rotina, mas tão grandioso quando pensado no longo prazo que estamos criando um novo ser humano pra viver nesse mundo. O simples e o complexo de mãos dadas nos meus dias e na minha rotina, dependendo de quem vai ver. O importante é termos consciência das nossas escolhas e o pq estamos fazendo o que fazemos, né? Aí dá sentido.
Deve ter algum astro rondando a terra causando bloqueios e trazendo reflexões! Antes de abraçar a placa de #PARETUDOQUEVOCEESTAFAZENDOAGORA, eu fiquei numa reflexão similar... o que eu faço com os meus dias. Mas hoje, veja só, aproveitei as férias dadas, estou colocando a leitura das newsletters que gosto em dia e dei um rolê pela cidade, o que me levou a conhecer 3 novas livrarias! Foi puro deleite e voltei querendo escrever toda inspirada ela. Já tô sonhando em tomar um sol com você aí no Rio!