A nostalgia entrou na sala
encontrando com uma eu que não existe mais através das fotografias
Enquanto vivia o estado de gripe há umas duas semanas, entrei em uma dessas brincadeiras do Instagram que viram corrente. Nesta, a frase pedia para você voltar a 2017 e postar uma foto daquele ano. Postei. Em seguida, passeei por todas os registros do meu arquivo de 2017, depois 2018 e depois… Foi a primeira vez que realizei meu envelhecimento de forma palpável, quase podendo tocar no meu corpo ganhando outros contornos e nas minhas expressões se tornando mais profundas.
Poderia dizer que só vi beleza, maturidade e toda aquela conversa atual sobre se aceitar mesmo com rugas. Não foi bem assim. Eu gosto da minha versão de 36 anos. Não tenho saudade alguma das bobagens da jovem de 25. Deixo lá todos os meus medos inúteis (ou úteis para ser quem sou agora?). Ao mesmo tempo, realizei que essa eu do passado - com as partes das quais dispenso e das quais gosto - não existe mais. Sim, há algo de bonito em ver a sua linha do tempo. Também tem um peso esquisito.
Achei injusto meu abdômen não ser como o de antes, afinal eu nem comia as tais proteínas na porção da nutri que hoje como. Tinha menos músculos fortes, é verdade. Por outro lado, havia bemmm menos gorduras localizadas. Inúmeras fotos eram de biquíni ou lingerie no espelho. O objetivo era autoanálise e não autoadmiração. Esses registros não se repetiam em público, exceto em algumas viagens com cliques do meu marido.
Olhando agora para meu eu de ontem, me acho ótima e magra. Na época, queria ser melhor. Apesar de não ter sofrido, de forma literal e direta, com questões relativas ao meu corpo, nunca fui satisfeita. Não era possível e segue não sendo. Não para quem carrega os cromossomos XX. Não basta a magreza, precisa secar a barriga, ter as coxas torneadas e uma pele com menos estrias. Não faço mais as mil fotos no espelho, só verifico com meus próprios olhos. Sempre. Todas as vezes, ainda há o desejo de ter alguma parte de um outro jeito.
A maior dor mesmo, no entanto, não foi sobre beleza, abdômen ou rugas, apesar da admiração do corpo de outrora. Senti mesmo por não ter mais a mesma juventude. Eu sei, eu sei… ter 30, 40, 50, 60 não significa mais paralisar e não ter mais fôlego. A gente envelhece diferente nesta temporada de planeta. Mas, convenhamos, não estamos mais no pico energético de uma pessoa jovem. O que não é de todo mal, porém contudo todavia…
Na fase amadurecida já colecionamos chatices. Encontramos o nosso jeito de colocar a louça para lavar, o nosso amaciante favorito e a hora ideal para dormir. O álcool passou a atrapalhar muito o dia seguinte, ainda mais quando você pratica alguma atividade física ou esporte. Espero eu que você pratique, pois está na cartilha obrigatória do pós jovem.
A gente vai nas festas, vira noite, dança até o chão? De vez em quando. Todos os dias do fim de semana já não dá. A não ser que você tome alguma coisinha, mas isso terá efeito colateral e vai trazer alguma demanda. Eu já era careta jovem, agora sou mais ainda. Portanto, pelo menos para mim, festa de quinta a domingo é impraticável. Para ser honesta, uma vez no mês já está de bom tamanho. Só me recuso a ficar em casa no casulo. Flanar por aí se faz necessário; pretendo seguir andarilha quando estiver velhinha.
Outro problema é que longe da juventude, recebemos mais notícias tristes e nos preocupamos com nossos genitores. Precisamos acolher lutos nossos e de amigos; isso afunda um poucos os olhos. A dor pesa. Acumular anos de trabalho também mexe com rugas e cabelos brancos. Mesmo para quem é feliz na sua carreira. Ninguém escapa de estresse nessa geração. Ainda mais sem poder pensar em aposentadoria decente.
Se a pessoa está solteira com mais de 30, começa a analisar se o date tem risco de golpe ou coisa pior e se vale a pena sair de casa para ouvir o mesmo papinho de sempre. Deve ser um inferno estar com intenções transantes, libido em chamas, e ainda precisar ser precavida (o). Jovem não tem medo. Ou nem tanto. Esse atrevimento traz perigos. Sabemos, nós adultos. Mas, é bom não ser tão responsável para viver certas coisas. Eu me pergunto hoje como tive coragens que agora talvez não cogitasse nem se tivesse 20 anos.
Senti falta de pensar no fim de semana com uma consciência de quem ainda tem muitos anos pela frente. Com 26, estava virando noite assistindo meu namorado - hoje marido - tocar guitarra em uma banda de rock que não existe mais porque os integrantes foram trabalhar com coisa séria para sustentar a vida. Aos 23, as amigas faziam planilhas de Excel com as festas de carnaval - recifenses, claro - para organizarmos quais iríamos e escolhermos as fantasias. Parecia tudo tão durável, incluindo os sofrimentos.
Vivi um monte de decepção, humilhação e rejeição nesses anos corridos. Foram muitas lágrimas por gente inútil! Nem tudo foi delicioso e gostoso como a nostalgia pinta, tenho ciência. O recorte de memória tem sua razão de ser, é bom lembrar do riso. Caetano canta “respeito muito minhas lágrimas, ainda mais minhas risadas” não à toa.
O flashback me fez querer a leveza daquele corpo. Aquele olhar inocente. Aquele rebolado sem sentir o joelho. Aquele dia, pós noite mal dormida, rendendo como se nada tivesse acontecido. Não vai ser possível. Resta deitar no lençol com cheiro de lavanda, tomar um propólis, uns fitoterápicos, dar risada com alguns memes internéticos e em alguns dizer: esse não entendi, deve ser para geração z. Dormir. De preferência cedo e por no mínimo 7 horas. Sem deixar de dançar em todas as oportunidades, é claro. Qualquer coisa, o dipirona está ali do lado na sua caixa farmacinha.
Uma semana com cheiro de juventude por aí.
Um beijo,
Gabi
Acho interessante como parece que a cada geração as pessoas sentem que envelhecem mais cedo. Eu estou com 47 e aos 36 ainda virava noites de terça à sexta e trabalhava o dia todo. Nós últimos 8 anos me cansei de alguns lugares e companhias. O pessoal de 20 anos tem menos pique que os pais de 50. Com o tempo a tendência é mesmo recalcular e encurtar a rota. Eu trabalho com pessoas de 90, 100 anos percebo que os planos ficam cada vez mais encolhidos, uma semana pode ser uma vida inteira e 50 anos atrás, foi ontem.
Parabéns pelo texto, adorei! Se desse pra gritar newsletter, esse de hoje estaria completamente pintado de verde limão. Me identifiquei do início ao fim.