Quando o amor esvazia
Os relacionamentos modernos e a realidade nua e crua no romance "Amanhã teremos outros nomes"
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Amanhã teremos outros nomes (2021), do argentino Patrício Pron, é um retrato fiel dos nossos tempos e talvez por isso seja tão difícil seguir nas páginas com a leitura em ritmo alucinante. Estive curiosa o tempo todo, mas apenas quando se encaminhava para o final senti que o livro me pegou. Se você já leu algum livro na vida, sabe do que estou falando. E se não sabe e só leu um livro na vida, escolha um próximo e o seguinte e continue até sentir uma energia que faz seu cérebro não soltar aquelas palavras até que a história se dissolva em suas mãos e, provavelmente, permaneça um tempo no seu ser.
Voltando a Pron, sua intenção, segundo a sinopse do livro e entrevistas ofertadas, era falar da desconexão, dos relacionamentos, do estilo de vida moderno e tudo isso com os toques da internet e dos aplicativos. Um desafio de quem escreve o contemporâneo é não fazer da sua obra uma aula de sociologia ou uma lição de moral chata. Eu mesma vivo com medo de seguir por essa linha quando estou escrevendo sobre assuntos cotidianos e temas importantes como machismo, racismo e outras mazelas da humanidade.
Poucos conseguem o feito de trazer essas pautas à tona dentro da literatura mantendo o requinte. Ou melhor, mantendo a arte como ela é. Já tive essa conversa inclusive com a
e concordamos nesse ponto. É preciso soltar o medo de ser julgado, se permitir falhar através dos personagens, ser uma pessoa de verdade, crível. Entendi que em Amanhã teremos outros nomes Ele e Ela são totalmente factíveis e vivem tanto as angústias dos nossos dias que são levados por elas e se desconectam da própria relação.Talvez pautada pelo que os outros têm, Ela repense sua vida e sinta uma insatisfação gigantesca o que a faz escolher terminar o casamento. Não que não exista um vazio, mas ele se torna maior do que o real quando olhamos o do vizinho e ele parece ser só um buraco de formiga. Os desejos não atendidos não são conversados e neste caso é Ele que faz o papel de fronteiras fechadas. Para que abrir o peito? Melhor observar os outros e reclamar de como as pessoas estão vivendo neste século, decide Ele de forma inconsciente.
Parece ou não com alguém que você conhece? Ou você mesmo?
Relação findada, é hora de viver os sentimentos do depois e a vida sozinhos. Ela é cheia de amigas, porém raras de intimidade. Ele sente a solidão de quem não sabe cultivar relação alguma. Boa parte do livro é nesse processo. Foi aí que senti os incômodos e as lições de moral. É de fato motivo de revirar os olhos o fato de todo mundo da nossa geração ter o mesmo cachorro, definir qual bairro é legal e progressista, encher a casa de plantas e repetir frases de efeito. Mas, precisa de inúmeras páginas para isso? Se repetiu tanto que cansou e na leitura, eu mesma passei a reclamar de quem reclama. Pode ser intencional já que na vida real fazemos exatamente isso. Queremos ler tanto da realidade? Já não sei!
Também me incomodou as "desculpas" justificadas para o que cada um dos dois sentia. Em muitos trechos há o comentário "ele/ela também devia pensar isso" para não jogar a carga em um personagem. Talvez tenha sido uma tentativa de não soar machista. Só que na hora de sentir, ainda mais um término, não tem feminismo na pauta. Sentiremos raiva e inveja, seremos um tanto egoístas, vamos esbravejar mesmo que dentro de casa para ninguém a não ser nós mesmos. Não tem ponderação na perda. O que não significa, óbvio e lá vou eu me justificar também, assédio, abusos e agressões. Depois de respirar, tem perdão e compreensão do que se passou. Durante, não dá.
Chegando no final, uma reviravolta nos pega pelo braço e dá aquela sacudida que comentei. Fui levada pela vontade de saber como tudo iria se ajustar ou desabar de vez. Gostei de onde chegou e foi numa conexão. Por isso, acredito que meus incômodos podem ter sido um desejo do autor. A sensação de estar no maremoto que essa vida tem sido é comum, mas de repente a gente acha alguém que olha nos olhos e sustenta o olhar. Que maravilha, é possível. E nem falo só de amor romântico, também conta as amizades. É sobre construir intimidade.
Pron acerta em capturar nossa carência de intimidade e colocar essa cena mesmo em salas cheias de gente. Construí-la exige uma atenção que não cabe quando o nosso olhar se volta para o outro. Uma fofoca quase sempre vai cair bem, não seremos hipócritas. Só não dá para se jogar no abismo que é a aparente felicidade do feed do Instagram - pensando nos hábitos brasileiros - e esquecer de olhar nossas próprias vivências. Enquanto seres humanos, o que queremos mesmo é estarmos junto inteiros o que não significa que seremos completos em qualquer que seja o amor. Espero que ninguém perca isso enquanto procura um preenchimento que só existe no plastificado mundo digital.
Terminei a leitura feliz com os personagens e sentindo falta de uma dose a mais de arte.
O que me lembrou:
O casal do livro me fez pensar em uma outra dupla, essa da segunda temporada da série The White Lotus (2022). Ethan e Harper são duas pessoas inteligentes, observadores da vida, informados, cheios de repertório e críticas às insanidades do século XXI. Tudo mais que justificado. No entanto, o casamento que tem muita força no diálogo e no racional, se perde no romance e no sexo. Falta a dose de ilusão, e talvez sex appeal, para dar conta de viver com amor e prazer. A série trata disso muito bem, vale assistir se ainda não viu; prepare para sentir umas cutucadas nos seus comportamentos mesmo que você não seja um milionário passando férias no mar da Itália. Quem somos nós sem a pulsão de vida e libido? Um amontoado de células entediadas e frustradas? Fica a reflexão!
Um roteiro também contemporâneo e que engloba a internet é o do filme Ela (2013). Apesar de já ter 10 anos, ele faz cada vez mais sentido. O personagem, Theodore, é escritor, assim como no livro Amanhã teremos outros nomes (2021) - me pergunto se é carma de escritor e se serei acometida por tal coisa - e se apaixona Samantha, a voz de um programa do sistema operacional do computador. Segundo esta matéria do portal G1, "'AI love': usuários confessam em fórum estarem apaixonados por inteligência artificial" o filme se tornou uma realidade.
Se você quer ler o nosso tempo em romances literários, recomendo: Humanos exemplares (2022), da brasileira Juliana Leite, e Belo mundo, onde você está (2021), da aclamada, irlandesa, Sally Rooney. Gostei muito também do livro de contos Mapas para desaparecer (2020), da também brasileira Nara Vidal. Um com ares mais futuristas e disruptivos é o Kentukis (2018), da argentina Samanta Schweblin. Todos de mulheres, não foi proposital, mas fica como reparação histórica.
Sobre o amor e relacionamentos, recomendo o perfil no Instagram da Ana Suy, psicanalista, que escreve sobre isso e responde perguntas todos os domingos nos stories.
Um filme que pode ser complementar a esta obra - ou mesmo superior - e que achei magnífico foi o Malcolm and Marie (2021). O roteiro é o diálogo de um casal, em casa, que passa por altos e baixos, é realmente icônico como conseguem prender a atenção quando o cenário é apenas o espaço onde eles moram. As dores e os dilemas do amor contemporâneo passam por todas as falas, além do papel da mulher em relação ao trabalho e ao casamento. Não sei porque não obteve o sucesso merecido na estreia - um casal negro protagonista seria a razão?! Fica o questionamento. Quem estrela é ninguém menos que Zendaya, da série Euphoria (2019), e John David Washington, de Infiltrado na Klan (2018) e Tenet (2020).
Aqui está o link para baixar a arte que nossa designer artista Natalia Durães fez com uma frase do livro; funciona lindamente como fundo de tela do celular (wallpaper para os modernos). A deste mês achei um ótimo mantra para ansiosos!
Vamos papear sobre tudo isso hoje? Nosso encontro é as 16h e para participar basta clicar no botão abaixo.
ID da reunião: 856 9311 8469
Senha de acesso: 001219
Se o link não funcionar no botão, clique aqui!
Um beijo,
Gabi.
Senti que li o livro! A comparação com o casal de The White Lotus então me fez entender o enredo melhor ainda. Obrigado pela dica de Malcom and Marie. Realmente não acredito que tenha passado batido. Acho que a razão é exatamente a que você colocou. Triste demais. Que newsletter delícia pra uma segunda!
newsletter boa é aquela que a gente le e sai inspirada e doida atras de todas as referencias! gostei, obrigada por isso <3