As notas abaixo seguem a ordem cronológica começando em agosto e finalizando em novembro de 2024.
20 de agosto, entro no banheiro, faço xixi no pote e espero o tempo recomendado. Tremo muito nas mãos, meu coração está a mil. Meço os batimentos no app cardíaco, 142 por minuto. O resultado: grávida | 1 - 2 semanas. Eu sabia que seria em agosto, eu sabia que seria rápido, mas não quis dar bola a minha intuição. Criaria expectativas. Poderia ser devaneio ou mesmo o desejo falando mais alto. Imagina, 36 anos e grávida em uma semana. risos Peguei a sacolinha do O boticário para disfarçar, coloquei o teste e o body de dinossauro dentro e deixei em cima da mesa. O pai chegou do treino e quase enlouqueceu. O Baby estava feito. A gente se abraçou chorando e não temos nenhum vídeo decente para contar a história.
Qual tipo de mãe serei? Quem serei eu em dez anos? Em um ano? Em poucos meses? Qual tamanho de roupa eu compro agora? Preciso de novas camisolas? Todas essas perguntas em uma caminhada na praia. O dia estava lindo.
Jantei ontem e hoje quase dormindo. É impressionante. Outro dia, pesquei assistindo um filme em casa. Tem ótimas opções no cinema, marido viajando a trabalho, eu até poderia ir sozinha, mas não achei que não seria de bom tom cochilar na poltrona e ainda por cima pagando.
A
teve bebê há uns meses e publicou sobre parto e gestação outro dia. Li isso aqui na news dela: "A religião começou com as mulheres. As historiadoras feministas já reviraram as evidências arqueológicas e não encontraram uma sociedade matriarcal que se preze, diz Camille Paglia, mas todas as pistas religiosas apontam para a mesma direção: os primeiros cultos foram para as deusas da fertilidade. Antes do Pai Celestial, havia a Mãe Natureza. Em diferentes partes do mundo, as religiões começaram como resposta aos segredos e à violência da reprodução. Dê-me um filho. Deixe que ele cresça bem, enquanto não consigo vê-lo. Não permita que eu morra no parto. Para a mesma força que dá a vida, pedimos para que não a tire. Não agora. Os mais antigos objetos devocionais são figuras femininas, concebidas em pedra e datadas de 42.000 atrás. A mais famosa é a Vênus de Willendorf, encontrada na Áustria." O texto inteiro está um primor. E é oficial, meu cérebro só pensa em gestação e bebês.Esse momento precisava - e precisa - ser meu. Nosso. Foi com a gravidez que ficou ainda mais definitivo meu apreço pela intimidade. Soa incoerente porque escrevo em primeira pessoa, publico, revelo sentimentos. Todas essas exposições foram pensadas, calculadas, digeridas. Já fui levada pela emoção e a intensidade, principalmente no Instagram, mas não cabe mais. Nunca coube, na verdade. Com o amadurecimento, os estudos e a guiança das minhas mestras, aprendi algo muito importante para quem escreve não ficção biográfica: não uso texto público para resolver traumas e nem para me vingar ou provocar o outro. Quando algo chega aqui é porque trabalhei internamente o tema. Não significa que sou resolvida e nem que não erro, mas tento manter a sobriedade.
Esse é o período mais intenso, maluco, transformador, da minha vida. É surreal que haja fome e enjoo ao mesmo tempo. Não é qualquer fome. É avassaladora. Quero dormir. Quero fazer xixi. Meu peito dói.
Estou com tantos medos. Tantos. O envelhecimento é um deles. 36 é pouco. Eu sei. Mas senti a dimensão do tempo com a gestação de uma nova vida. Estou com medo da velhice. Da solidão. De não saber ser uma boa mãe. Nem mesmo suficientemente boa. De não conseguir terminar de escrever livro nenhum. De adoecer. De me perder de mim e nunca mais me achar. De não ter dinheiro. De não dar conta da vida.
As redes sociais estão um perigo pra mim. Dessa vez, nem o Pinterest escapou. Abro e tem foto de comida. Há grandes chances de pegar abuso do prato. Tudo que não preciso é de mais uma coisa que não quero comer. Fico fugindo dos posts gastronômicos. O algoritmo já me descobriu e me mostra 50 mil posts sobre maternidade e bebês e partos e pré-natal. Eles nunca se repetem. É algo impressionante. É conteúdo demais nessa terra sem limites. Me sinto sobrecarregada. Meio louca. O sofá e a cama são meus novos lugares favoritos. Se bem que favorito não é bem a palavra. É onde me cabe agora
Setembro foi inteiro em casa. Saídas apenas para médicos, fisioterapia e exames. Os possíveis de agendar coleta domiciliar, o fiz assim. Nunca imaginei me deparar com um enjoo pior do que a temporada em que descobri as minhas restrições alimentares. Talvez sejam até similares, mas a grávida não pode tomar qualquer remédio e nem mesmo chás. Em 2013, 2014 e todos os anos da treta digestiva, no sufoco ia no hospital, tomava um soro medicado e ia melhorando. Em dois dias estava tudo mais calmo. Dessa vez não. Fui premiada com náuseas 24h por dia, rejeição a mil comidas e alguns vômitos.
Há quem olhe para o repouso da mãe recém parida ou gestante como um tempo leve e sereno. Não é. Não consigo ler meus livros, escrever um texto completo, raciocinar direito, fazer meus treinos. Tudo parece estar desmoronando, incluindo meus músculos tão batalhados. O caos antecede a leveza. No meio do furacão, me sobra desespero.
Choro porque quero voltar a ser uma pessoa que come feliz como sempre fui. Quero cozinhar como sempre fiz. Quero sentir a rua, o sol. Meu marido me abraça. Me consola. Assim seguimos.
23h16 03/10 Estou assistindo Sex and The city no celular. Já quase vomitei 3 vezes. Estou morrendo de fome mas mastigar me dá náusea. A fome é porque tomei um remédio que logo me dará sono - espero eu - e talvez eu acorde de madrugada com mais fome. Meu nariz está entupido, o clima está seco há um mês. Nada hidrata a narina o suficiente. Conto as horas para novembro. Amo meu bebê, escolhi ter, planejei e ele foi muito gentil. Veio rapidinho. Deve estar com sede de vida. Nisso já é igual a mim. Só precisamos atravessar essa primeira etapa e ela se assemelha a um jogo muito cruel. Meu marido diz que queria ser um cavalo marinho e sentir tudo por mim. Não sei se ele faz ideia do que seria isso. Agora estou com azia. São 23h20. Minha mãe diz que vai aliviar após os três meses. O tempo do bebê se estabelecer na nova morada. Tudo corre bem. Estamos com exames ótimos. Já admiro minha mãe por ela ter passado por isso em uma gravidez não planejada.
Na primeira semana da gestação fui tão arrebatada pela força maior de um ser dentro de mim que nem conseguia pensar em literatura. Nada era capaz de traduzir em palavras. Meu destino parecia ter mudado. Como se a partir dali nenhum livro, mestrado ou trabalho tivesse mais sentido. Me perguntei como as outras mães conseguiam. Passado o tempo, especialmente difícil por estar incapacitada de fazer qualquer outra coisa a não ser sobreviver a enjoos e tonturas, minhas mãos começaram a procurar o teclado. Me incomodou não conseguir acompanhar os debates no grupo de escribas no WhatsApp, não estar na Flip e perder a mesa das newsletters. Não conseguir estar ao vivo nas aulas de Ana. Não publicar. Não me encantar pela leitura de um outro alguém. Não encontrar pessoas interessantes e amigos que estavam no mesmo ponto geográfico que eu. Senti saudades de mim e chorei. Senti raiva da paralisia. Só queria trabalhar. Todos os dias me dizia: vamos sair desse marasmo. Como se fosse uma coisinha que eu mesma pudesse resolver. Risos. Perdi todas as batalhas. Meu estômago revirava. Eu dormia por causa do remédio e por causa da gravidez. Acordava nas madrugadas com fome. Que loucura. Aceitei o absurdo que é meu corpo conseguir carregar outra vida. Sigo achando isso uma das coisas mais surreais da existência. Estamos, eu e o bebê, atravessando a etapa da adaptação. Aos poucos as palavras voltam. Tomam forma assim como o corpinho dele/dela.
Consegui escrever algumas coisas. Publiquei na newsletter. Nunca me senti tão feliz em concluir uma lauda.
Os medos da primeira semana, sobre futuro e dinheiro, cessaram. Nos últimos dias, especialmente depois de assistir Aquarius, me veio uma energia tão potente. Me senti gigante e capaz. É como se nossas vidas entrelaçadas, minha e do baby, fossem impulso. E até algo jamais imaginado por mim aconteceu. Confiei no meu processo de escritora, pesquisadora. Me entreguei ao tempo.
Ainda sonhando com os dias sem enjoo. 12 semanas e nada de fim. Tive um dia de luz e logo tudo voltou a causar bagunça.
Saudades de mim.
Sem dúvidas a fase mais desafiadora da minha vida. Sentir felicidade em meio a vômitos é extremamente complexo. Estar de mãos atadas esperando a situação melhorar me irrita. Não tem o que fazer. A não ser tomar remédio e torcer para tudo se acalmar.
É curioso a reação das pessoas com uma grávida de 36 anos. Elas esperam dramas e histórias tristes. Não raro me perguntam: primeiro bebê? Respondo: sim. E não teve perdas antes? Não. Cria-se um espanto. É quase absurdo ser uma mulher madura fértil. Como se as jovens jamais enfrentassem dificuldades nesse processo. Em meio a minha própria gestação, Gisele Bundchen e Sabrina Sato, ambas 40+, anunciaram que esperam bebês. Será que também perguntam coisas estranhas a elas?
Sonhei com a juventude. Cheiro de começo. De viço. De pele nova. Viagem para praia distante em um carro sem ar condicionado. A juventude também tem cheiro de pouca grana e muita vontade. Na estrada, som alto. Cantar a plenos pulmões. Sonhei com a juventude porque já não sou nova. Lá sonhava com outra coisa. E mergulhava na dúvida e no medo. Teremos casa? Estaremos juntos? Sonhei com a juventude porque o futuro chegou. O cheiro é de casa limpa agora. Grávida, carrego um tempo ainda distante. Já não me angustia tanto o amanhã mesmo que não haja garantias. Sonhei com o passado porque o agora tem cheiro de vômito. De saudade misturada com alegria.
Com este relato se explica também os meus sumiços dos últimos meses. Meu corpo se voltou inteiro para o ser que carrego no ventre. Foi duríssimo não conseguir escrever e passar por essa fase desafiadora que segue enjoada. Estamos um pouco melhores. Torcendo aqui por um novembro mais gentil e com comilança feliz e realizada. Agradeço a compreensão de quem permaneceu me apoiando aqui por esses tempos.
Sem esquecer a música do mês. Já estava grávida, num dia triste de enjoo, quando assisti o filme Dias perfeitos e essa música surgiu e eu fiquei imediatamente feliz. “It's a new dawn /It's a new day /It's a new life for me, ooh /And I'm feeling good”
Uma semana com cheiro de vida nova.
Beijo,
Gabi
Escreveu muito bem esse começo de jornada. Tive minha neném com 38 e a gravidez foi toda um saco. Agora, ela com 3 anos a gente olha pra trás com mais gentileza. É tudo muito difícil, mas recompensador. A potência da escrita em mim surgiu com ela! O poder de criação que nasce junto é absurdo! Boa gestação pra vc! ❤️
Que alegria!! Um bebê para chegar.
Que a jornada de vocês dois juntos seja mais leve depois desses 3 meses iniciais de adaptação de ambos.
Enquanto lia sua news, lembrei muito do disco de Luedji Luna, Bom Mesmo é Estar Debaixo D'água. Salvo engano, ela fez ele enquanto estava grávida. Relaciono muito esse disco com maternidade.
Um beijo.