Minhas crises me alimentam. É por isso que quando não encontro um caminho para escrever sobre qualquer pauta aleatória, a própria falta me leva ao teclado. As perguntas, os porquês, me perseguem e me fazem cavucar a alma até encontrar alguma coisa que explique a inação, a não criação. Quando estou vazia, não me reconheço, o que não é necessariamente bom; tem vantagens e tem obsessão. Às vezes as causas do afundamento pedem tempo. Se eu estiver de bom humor e enxergar tudo como ócio criativo, pauso feliz. Aconteceu em março deste ano. Já se estiver numa fase ruim, me sentindo pouco competente, paro com raiva. Costuma passar em uma semana, quando tudo começa a sair do poço na cumbuca produzida pelo silêncio.
Esta percepção veio por causa dos curiosos comentários no último envio da newsletter sobre o texto ter sido criativo no fim das contas. Naquele dia deu certo, nem sempre dá.
“Esta é a única ocupação real do artista: recriar, com base na desordem da vida, aquela ordem que é a arte.”, James Baldwin em Notas de um filho nativo
Melhorei muito no aspecto "o que vão pensar de mim se…?" na vida e, mesmo assim, de vez em quando, percebo essa infeliz questão por trás de algumas atitudes. No caso desta semana, era uma coisa de intuição - depois conto a situação literalmente - e pensei no quanto já ignorei este sentido por não me permitir acreditar nele e, pior, porque se o seguisse, os outros me achariam doida. Trinta e seis anos verbalizando em alto e bom som coisas como: não deve ser isso, é coisa da minha cabeça. Às vezes até culpo a ansiedade. Aí a vida dá voltas e calha de acontecer exatamente a tal intuição. Está em tempo de começar a aceitar, no meu íntimo, o que meu corpo e meu coração estão a dizer.
Inventei de deixar o Instagram logado e com livre acesso no meu celular, o resultado foi um uso não recomendado pela minha fisioterapeuta. Dessa vez, no entanto, entre stories e fofocas, tive um grande ganho no tema carreira e pertencimento. Também tive dor nas costas e na cabeça? Sim. Valeu a pena. Agora já está deslogado de novo. Voltando a história… Lá em Recife, minha terra, aconteceu por esses dias o lançamento de um restaurante, na verdade a repaginação dele, para imprensa e convidados. Observei a "casta" reunida e me veio algo bem comum de quem sai da sua própria cidade ou bolha. Tudo lá parece estar meio igual. As mesmas pessoas, os mesmos comentários, as mesmas referências. O filtro da distância é meio opaco para algumas coisas e brilhante para outras; no meu caso a saudade purpurinada é das festas e da comida, fora meus afetos.
Enquanto via essa cena toda do social, ou seja, marcar presença no evento, falar com uns e outros e tirar fotos para o Instagram, identifiquei pessoas que cruzei no meu caminho de trabalho. Algumas foram minhas chefes e as experiências foram traumáticas. Claro, fui verificar por onde andam e o que fazem. Pois bem, tem até gente escrevendo e estamos a anos luz de uma da outra. Sem nenhuma modéstia, notei que para aquele grupo a qualidade é mera figuração, o importante mesmo é o sobrenome e a circulação do seu nome nas colunas e, agora, nas redes sociais. O mundo não só gira, como capota. O problema não era eu, só estava fora insistindo no lugar errado.
Ouvi algo semelhante em uma entrevista no programa Par ou ímpar, do canal GNT. Maria Ribeiro apresentava e falava tanto com o paraense de alma carioca Milton Cunha, apresentador, cenógrafo e carnavalesco, quanto com o cearense Max Petterson, ator, youtuber e acadêmico. Max comentou que tentou muitos papéis em testes e não dava certo porque as pessoas o viam como um piadista do Ceará; ele só entrou em um filme quando recebeu um convite para um roteiro específico. Maria disse ter passado pelo mesmo.
No Brasil temos experiências de trabalho terríveis e abusivas, com lideranças sem qualquer tato para desenvolver equipe, colegas movidos a competitividade e, para completar, o grande ápice de um currículo, muitas vezes, não é sua competência e sim sua lista de contatos. É possível encontrar exceções, ainda bem. Mas, a realidade majoritária é desastrosa, principalmente fora do eixo Rio-SP. Como é sofrido, derruba a autoestima de quem é criativo, produtivo e tem talentos fora daquela caixinha local. Profissionais passam a ter certeza que são os culpados - tal como eu - e podem perder anos de uma carreira mais realizadora por isso.
A fofoca veio parar por ter esse final edificante. Melhorar habilidades, praticar o networking, aprender muito com quem está na nossa frente são as regras básicas. Mas, tem coisas que não são sobre isso. Às vezes você só está no lugar errado com as pessoas erradas. Não quero dizer que a solução é abandonar tudo como manda os influencers por aí. É sobre procurar seu solo, seu lugar de florescimento e se movimentar para pegar seu lugar ao sol. Aviso: haverá perrengue de qualquer jeito e nem sempre haverá muito retorno financeiro. Com certeza terá menos peso nas costas, posso afirmar.
“Eu era um intruso; aquele legado não era meu”, James Baldwin em Notas de um filho nativo
Outro dia, almocei com amigas no bairro ao lado e voltei para casa a pé. Estava sol com vento fresco, uma delícia. Recomendo a experiência (se estiver em local seguro).
Foi aniversário da minha avó em uma sexta leonina. Preciso escrever algo só sobre ela. Poderia fazer isso com muitos integrantes da minha família. Freud que lute para explicar. Vovó é de fato um ícone, coleciona fãs por sua energia e fôlego. Hoje mandou no grupo um bolo todo decorado. Ela fez para cantar seu parabéns atrasado com o grupo em que ela é voluntária. Voluntários e ajudados iriam participar, tinha até lembrancinha feita a mão. Se eu envelhecer como ela, estarei plena.
Ando em uma leitura arrastada do Trilogia de Copenhagen, da dinamarquesa Tove Ditlevsen. É muito elogiado pela crítica e colegas do meio literário e há um boato de que ela foi influência para Elena Ferrante e Annie Ernaux, de fato deve ter sido. Tove foi ousada para a época (nasceu em 1917, faleceu em 1976) e publicou poemas e narrativas das quais o roteiro claramente passeia por sua vida real. Sinto falta de um borogodó latino, talvez. Ainda assim, leio um pouquinho todo dia de um jeito curioso.
Quis aproveitar as noites mais frias e preparar uma lasanha. Tinha uma massa sem glúten guardada esperando um dia sem tanta preguiça. Fiz o molho de tomate, intercalei massa com fatias de abobrinha e queijo e carne do futuro (meu marido é vegetariano). Foi um deleite. Errei em usar uma blusa branca, obviamente sujou. Está de molho em uma misturinha de milhões. Deixarei aqui para vocês: coloque a roupa em uma bacia pequena e acrescente 1 colher de sopa bicarbonato, 2 vinagre, 2 de detergente, 1 de sal, água quente até cobrir tudo. Deixar por 2h ou virando a noite. Não salva de tudo, mas é ótima para lavar peças brancas mesmo sem manchas.
Meus dias de crise criativa renderam, como de costume. Está vindo uma vontade de repaginar por aqui; me jogar no novo, testar envios variados. Tendo a precisar de renovações, coisa do meu ascendente em escorpião, se você é dos astros. Se não for, tudo bem, é só a metamorfose ambulante. Um dos resultados está sendo esse texto em formato de notas. E deve ter outras novidades por vir. Vamos vendo…
A percepção da vida de dona de casa entranhada na minha escrita foi a chave para essa virada. Não sou "só" uma escritora. Ninguém é. Se for, ou tem uma mente brilhante ou tem um texto mais raso. É preciso beber a vida para escrever. A minha sede pede mais do que palavras no papel. Senti que preciso aglutinar melhor as minhas muitas versões nos meus escritos.
Com o aumento populacional no Substack e em outras plataformas de newsletter, ando lendo muitas coisas boas por aí. Achei de bom tom voltar a trazer links legais por aqui como recomendação. Não se espantem se em meio a isso também estiver um filme, uma peça de teatro ou mesmo uma panela surpreendente.
Por aí…
Sobre a importância de viver para escrever, lembrei desta crônica da Socorro Acioli. Você precisa viver mais foi publicada em janeiro de 2022 e segue sendo um ótimo conselho.
Minha amiga da vida internética de escritora,
, escreveu sobre o amor e a amizade entre mulheres. Uma lindeza. "As amizades femininas não são perfeitas, porém são capazes de criar mundos onde a vida é bem boa de se viver."
Me apaixonei por essa publicação da
, uma substacker não conhecida até então, sobre a maternidade, a carreira e a individualidade com apoio de obra de ficção científica. Uma mãe que não deseja pegar perpétua tem trechos que são mantras para se levar na vida.
Particularmente, tenho muita preguiça do intelectual metido a besta confiante apenas no conhecimento erudito, já devo ter deixado isso escapar por aqui. Daí que a
colocou esse ranço de forma literal em Ódio ao popular e eu apenas aplaudi.
Gosto de criar playlists no Spotify para o ano e vou adicionando lá as músicas que colam no meu ouvido ao longo dos meses. Na deste ano, 2024, as últimas duas:
a dançante "quero ver se você tem atitude" com DJ Luan Gomes:
e a delicinha "My Father 's daughter" de Olivia Vedder, Eddie Vedder e Glen Hansard:
Uma semana gostosa como essas músicas por aí.
Beijos,
Gabi
Obrigada, Gabi, pela leitura. ❤️ Aquilo ali foi um grande desabafo; ando sem paciência pra esse povo bobo.
Um beijo!!
Amei o retrato do cotidiano, Gabi! Faça mais! ❤️