O que o dinheiro compra?
Hoje tem entrevista com economista, papo sobre felicidade e dinheiro e uma dose de cansaço
Atenção leitores: temos um entrevista especial hoje, logo depois da minha introdução, com um economista especialista em investimentos e também meu amigo. haha Leiam até o fim para as dicas. :)
Falar de dinheiro é tão complexo que já comecei e apaguei este texto umas 10 vezes. Me arrependi de escolher esta pauta outras tantas e me perguntei por que invento de cutucar tretas. O assunto, claro, tem muitas camadas em todas as partes do mundo. Mas, estamos em um país com 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer. Ou seja, 15,5% da população está em extrema pobreza. É preciso sensibilidade para informar sobre isso, não sei se alcançarei tamanha competência aqui; tentarei.
Começo com uma memória indigesta:
"Dois potes de cup noodles, um refrigerante e algo mais que não lembro porque não quis olhar muito. Um homem negro, de chinelos e bermuda, carregavam os itens na fila do supermercado. Um colega dele veio e deixou duas notas de 2 reais. Ele agradeceu. Eu estava nessa cena justo no dia da feira do mês. Feijão, arroz e itens básicos. Também tinha café da marca tal porque o grão é melhor, o sabonete que não resseca a pele, flores brancas e ovos orgânicos de galinhas criadas soltas segundo a embalagem. Mal levantando a cabeça, coloquei os itens rápido na esteira.
Me senti ridícula comprando ovo orgânico enquanto o rapaz coletava cédulas para a compra de cup noodles. Senti vergonha. Já faz mais de um mês e não esqueci o olhar dele. Sempre que rememoro a cena, um pedacinho de mim se parte."
Acredito que esta situação real, sem nenhum pingo de ficção, não deveria precisar de mais nada a ser dito para todos nós entendermos o buraco que estamos. Mas, precisa. Estamos na posição, pelo menos a maioria dos leitores aqui, de escolher se desvia ou não o rosto nos semáforos. Os preços subiram, muitos estão no aperto, e a gente escolhe comprar uma marca mais barata de sabão. Temos a opção da escolha. Às vezes com sofrimento, menos liberdade e preocupações, mas escolhemos.
Foto: Markus Spiske
Foi por isso que convidei um amigo economista para falar aqui na entrevista sobre como você pode se relacionar com seu dinheiro de uma forma mais saudável. É importante sabermos fazer escolhas, especialmente em um país com instabilidades financeiras latentes. Como disse a escritora e psicanalista, Fabiane Secches, em um evento que fui outro dia, não precisamos hierarquizar os temas que pedem debates, na ocasião ela falava sobre meio ambiente; no nosso contexto de hoje, não é porque há fome e pobreza no mundo que não devemos cuidar das nossas finanças.
Entrevista com Ygor Gomes, economista e especialista em investimentos
Ygor é um amigo pessoal que trabalha e vive como todos nós. Falo isso porque é bom vocês saberem que não trouxe aqui um conselheiro marketeiro. (risos).
Gosto de ressaltar que para atingirmos qualidade de vida precisamos da base construída antes. Essa base envolve nossas necessidades básicas como moradia, educação, comida e lazer. Só que estamos no Brasil, não à toa um país com alto índice de ansiosos diagnosticados, e aqui dinheiro e gestão pública eficientes são ausentes. Tem como ter uma relação saudável com o dinheiro neste contexto? Se sim, como começar?
Com certeza, e digo mais. Uma relação saudável com o dinheiro é primordial para que outras relações também sejam saudáveis. Por exemplo, no trabalho, no relacionamento, na família. Quem nunca viu um amigo trabalhando mal porque estava apertado financeiramente, relacionamentos que acabaram devido a problemas financeiros. E isso não quer dizer que você precise ter muitas cifras; a melhor maneira de começar esse relacionamento é sabendo que ele precisa existir. A única forma de ter consciência é fazendo uma gestão, não é necessário nada muito complexo, como planilhas e aplicativos (nada contra, cada um pode e deve encontrar a melhor maneira), mas sempre sugiro iniciar com um simples papel onde você poderá anotar todos seus custos. Antes mesmo de você receber seu salário, existem alguns custos que você já sabe que irá ter como aluguel/condomínio, energia, telefone, cartão de crédito e outros. O que sobrar é o que você terá para passar o mês. Com essa clareza, é possível saber onde se pode diminuir alguns gastos, como na troca de um plano na operadora telefônica. O dinheiro que “sobrar” das contas fixas, você pode dividir pela quantidade de semanas no mês até receber o próximo salário. Por exemplo, o saldo foi de R$400 reais e ainda faltam 4 semanas, logo, terei R$100 reais por semana para usufruir da maneira que achar melhor ou me programar para economizar e gastar mais em determinado evento lá na frente.
Quando o cansaço aperta e o dia a dia está preocupante, o que você faz para manter a disciplina na manutenção financeira?
A melhor maneira de ganhar do cansaço é criando o hábito. Através dele, mesmo nos piores momentos conseguimos nos manter mais perto do eixo possível, é claro que ninguém é perfeito e momentos em que queremos extravasar acontecem com frequência (rs). O que também não quer dizer que devemos chutar o balde em 100% deles; também quando acontecem não há nada de errado. Nesse caso após o ocorrido, volte para o eixo e siga em frente, é quase como uma dieta. Não será uma refeição que irá acabar com tudo, a constância e o longo prazo são o que trazem o resultado.
Gerir suas contas é um ato de cuidado com seu presente e futuro, não espere aprender Excel para isso
O nome desta newsletter é Tempo para você e um dos ditados mais populares que temos é: tempo é dinheiro. Eu, particularmente, vivo tentando encontrar o equilíbrio entre respeitar meu tempo e trabalho e ainda assim ganhar dinheiro. Já sabemos que as fórmulas do marketing digital não são reais. Existe um caminho para conseguir equilibrar as pontas "tempo + dinheiro"?
Eu sinceramente acredito que tudo é equilíbrio, porém é normal ocorrerem momentos de maior “gastança” e momentos de maior “aperto”. O problema não são esses momentos acontecerem, é a constância. Assim como terá os momentos em que trabalharemos demais; tudo precisa ter um objetivo e um prazo final se equilibrando com a gestão dos recursos. Um bom controle do dinheiro e dos gastos com certeza é a melhor forma de equilibrar essas pontas, sabendo exatamente seus custos, suas possíveis receitas, será possível ficar mais tranquilo quando ocorrem imprevistos como por exemplo uma geladeira quebrar.
Em que você investe quando está no seu tempo para manter sua saúde mental em dia?
Gosto de investir em conhecimento, gosto de estudar sobre novas coisas, ler sobre assuntos que gosto ou algo que possa me ajudar a desenvolver um melhor trabalho. Mas também gosto de investir em autoconhecimento, um tempo sozinho, uma corrida de rua. Investir no relacionamento, em possíveis viagens. Financeiramente falando gosto de investir em coisas que não me preocupam, que me dão mais conforto por terem menos flutuações (positivas ou negativas). E voltando em algo que já falei, tudo isso com gestão dos recursos escassos, ou seja, me organizando ao máximo para cumprir meus objetivos.
Obrigada, Ygor! De tempos em tempos, ele aparece nesse perfil aqui no Instagram para comentar os rumos econômicos do Brasil e dar umas dicas de sobrevivência. Sigam os bons. :)
Foto: Michael Skok
O que quero é sossego
"Dinheiro não compra felicidade, mas compra viagem e chocolate", é uma frase que tem se repetido nos memes engraçados das redes sociais. Não é de todo errado. Aliás, o rapaz da fila do supermercado no dia da minha feira, diria que dinheiro compra felicidade e ainda traz um pouco de paz na sacola.
Para Freud, o pai da psicanálise, a felicidade é a realização de um desejo da infância e por isso a riqueza contribui em pequena medida para ela; o dinheiro não é um desejo infantil. Também não está de todo errado. Mas, chocolate, que Freud me perdoe, não é uma fome da criança?
Claro que o doce ou a viagem não resolvem nossa vida e não nos traz a felicidade a qual o psicanalista se refere. Ele trata da emoção complexa e profunda, provavelmente inatingível, que buscamos sentir na vida. Gastar dinheiro de forma leviana para curar feridas é uma fuga do olhar para si mesmo e descobrir suas reais necessidades. Por outro lado, os prazeres devem ser atendidos e os escapes conscientes para o seu prazer são bem vindos.
Curtir as pequenas alegrias faz a vida mais leve e talvez até mais feliz do que a busca incansável pelo nirvana.
Dinheiro garante nossas necessidades básicas e nosso acesso a serviços essenciais de forma estatal ou privada. Dá lazer, tempo, barriga cheia, uma terra para plantar. O Brasil que eu quero não é o que permite uma pessoa comer o mínimo, é o que entrega dignidade e o que exige conforto, prazer e alegria para todos.
Eu sei que o sucesso não se mede por quanto temos na conta bancária e que dinheiro não nos preenche de amor, não cura feridas profundas e não nos assegura a felicidade genuína. Mas, ao menos, paga a terapia, viagem para ver pôr do sol na praia, colchão que não dá dor nas costas e a feira do mês.
Nota:
Dados sobre fome e pobreza no Brasil são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19
Balanço do mês
Se você chegou até aqui, obrigada. haha A de hoje foi textão, hein?! Bom, mais um mês com um balanço em áudio. Compartilho sobre a minha relação com o equilíbrio, bem estar e a simplicidade no dia a dia real.
Hoje foi sobre cansaço. Bora?! Dá o play:
Boa semana e aproveitem a virada do mês para fazer as contas.
Um beijo,
Gabi.