Levanto da cama por volta das 7h. Para mim, está tarde. Já adulta, passei a perseguir a hora matinal, o silêncio, a luz, o cheiro. Consegui quando parti para minha casa, nossa casa, em 2017. Até meados de 2021 acordava por volta das 6h e às vezes às 5h30. Trocava a roupa, comia uma fruta ou tomava uma vitamina, shake para os que adotam palavras em inglês ou batidão para a linguagem que divido com meu marido, e ia para o exercício do dia. Uma caminhada no parque da Jaqueira ou a aula de pilates ou de funcional ou a musculação ou a yoga.
Quando passei a morar onde o sol nasce mais tarde e nem sempre você tem a sorte dele estar voltado para sua janela, comecei a sair da cama às 7h. Em outubro, fará três anos dessa história, portanto nem faz mais sentido comparar com o meu outro eu, o das 6h, mas cá estou remoendo. Isso é algo que uma escritora faz, pelo menos no meu caso. Revisito o passado enquanto faço ovos mexidos. Já na hora de comer, formulo as perguntas retóricas. "Por que será que não consigo mais acordar às 6h? Estou desperdiçando tempo? Se eu puxar tudo para mais tarde, vou dormir mal?".
Algumas respostas já obtive. Acordo cedo quando estou em Recife. Lá as janelas, quase sempre, são contempladas com luz de sol matinal e, talvez por isso, mesmo cansada, me levanto às 6h. Pude comprovar no último dezembro. Já encontrei outras perguntas retóricas para o café da manhã no sudeste e nunca deixei de ter as do nordeste, afinal lá está minha família e isso sempre é tema. Às vezes as faço em voz alta e meu marido me olha com olhos cansados, com certeza indaga a si mesmo como consigo encasquetar com tanta coisa. Também deve se questionar sobre como ele consegue ouvir esse tanto.
Depois do café, costumo voltar para o quarto e meditar. Essa foi a forma que encontrei para lidar com as minhas neuroses. Recomendei o mesmo ao meu cônjuge, não só para conviver comigo como com ele mesmo. As repetições da mente não são exclusivas de escritores ou artistas. Todos têm, a gente só fala mais. Ou cria algo com isso. De qualquer forma, ele não aderiu. Prefere correr pela rua cedinho; o sol não precisa bater na janela para seu despertar antes das 6h. O invejo. Espero que ele inveje minha meditação e assim ficaremos a par.
Depois de meditar, por óbvio, escrevo. Não para publicar. Nessa hora, me encontro com meu diário. Já tivemos idas e vindas, mas vivo melhor quando o utilizo. Nele, converso com a energia máxima da nossa existência. Uso Universo como vocativo. E então, leio por alguns minutos, às vezes 1h se tiver sorte. Na maioria das vezes, não tenho. Volto ao resto da casa.
Enquanto separo as roupas para em seguida enfia-las na máquina de lavar, ecoa na minha mente as frases do que estava lendo. É assim que aprendo a construir o texto. Repetindo tudo que consumo no meu cérebro. Por isso, preciso ter muito cuidado com o que ando acessando. Aprendi isso na minha pausa deste último mês de março. Só consegui entender a magnitude dessa absorção do externo quando apaguei o Instagram do meu celular. O eco do meu juízo foi dos diálogos dos filmes e dos livros. Um deleite. Quando criança, aprendia Português lendo. Nunca decorei nenhuma fórmula ou conceitos sobre ditongos e afins. Sabia as respostas graças a minha reprise interior. Nasci assim.
Como minha vida agora começa às 7h, a hora do meu batidão de frutas é o lanche da manhã. Tomo, espero a digestão para ir a academia arrumando alguma coisa pela casa ou lendo e-mails. Provavelmente estou esquecendo de contar alguma coisa porque a vida cotidiana, como o nome já diz, tem o costumeiro e este é despercebido quando automatizamos. No treino, ouço podcasts ou, quando estou cansada, uma trilha sonora animada permeada por funks e pagodes. Como uso óculos e não sou muito de papo aleatório por timidez, causo impressão de intelectual séria. Ninguém imagina o que se passa nos meus fones.
Volto com pressa sentindo mais uma vez meu dia rendendo menos do que gostaria. Cozinho legumes, almoço e tomo meu suplemento de ferro. Tenho várias vitaminas em deficiência devido a questões de saúde. Quando a ferritina está baixa e me sinto sem vitalidade, logo penso que estou deprimida ou que é meu fim. Sempre esqueço da possibilidade de resolver tomando um comprimido vitamínico. Aconteceu recentemente, a nutricionista me fez o favor de advertir: seu cansaço é falta de ferro. Tendo a me enxergar com transtornos e isso faz parte da minha escrita, então considero minhas neuroses nunca diagnosticadas como parte do meu processo. É a máquina cerebral girando. Na infeliz fase em que não fui escritora e trabalhei com outras coisas, de fato adoeci.
No mais, os dias variam. Nem mesmo as manhãs se repetem sempre, ao contrário das minhas obsessões.
Há uns dias com idas à fisioterapia. Outros com passadas na hortifruti. Outros com mercado online e receber o tal mercado. Em todos eles, estou respondendo whatsapp, fazendo e refazendo listas em um diálogo comigo mesma na ferramenta e em outro com meu marido, quando o app do Instagram estava no meu celular, abria nas filas, se tivesse mãos livres para tal coisa. Andando, com as sacolas na mão, penso que horas vou conseguir escrever e sobre o que. Sinto sede, calor e lembro de algo que precisava comprar e não peguei. Observo os moradores de rua, sofro. Engulo a angústia, é preciso seguir.
Algumas horas - ou seria minutos? - passo recapitulando, buscando a cadência, a voz, o chamado da palavra. Me desespero cada vez menos, ainda assim me perturba. É uma sensação de paralisia terrível. Nesses intervalos costumo resgatar a ideia de um emprego formal para me sentir útil.
De repente, enquanto guardo as frutas e nem estou focada no trabalho, vem uma inspiração para um texto. Justo agora! Tomo logo um banho ou melhor depois? E se a ideia for embora enquanto lavo a cabeça? Coloco a comida no fogo? Me dedico ao livro ou escrevo a próxima news? Não seria melhor pensar naquele outro projeto? E os vídeos, hein? Devo fazer isso ou aprimorar a escrita?
A depender do deadline, sento e escrevo antes do banho para não perder o fio. Quase sempre priorizo a news ou qualquer outra entrega, quando deveria mesmo separar um horário para o tal livro. Também tem momentos nos quais a palavra pede para ser posta para fora. É muito semelhante ao período fértil feminino quando não tomamos hormônios. Vem um desejo em volúpia, jorramos. Está acontecendo agora, em termos de escrita e não de útero. É domingo, são 18h30, comi muito chocolate pois Páscoa, estou pesada e de tpm. Sai correndo para o teclado e nada disso me segurou. Entrei no flow e sequer percebi a playlist trocando a música, está cantando uma mulher e sequer sei quem é.
A ideia deste texto veio quando fui tomar banho e parei para separar as roupas da máquina de domingo. Acho meio egocêntrico escrever sobre escrever. Enxergo o tema como relativo a quem já percorreu uma estrada na qual me sinto na metade e olhe lá. Além disso, por que leitores iriam querer saber sobre isso? Me sinto escrevendo apenas para escritores. Saí do banho e, como já disse, corri para o teclado. Aqui estou, jorrando uma rotina de escritora. Não consegui fugir do ego.
Nos momentos normais, a maioria deles são esses, apenas escrevo o possível, sem grandes inspirações, leio textos no computador, estudo e pesquiso enquanto a máquina de lavar apita, o alarme para desligar o fogo ou para tirar as folhas da solução limpadora toca, o jantar se desenha. Repito "estou desperdiçando tempo?". Pelo menos não me distraio mais com o Instagram, agora só com o Pinterest e com sites de notícias, mas esses rendem bons ecos.
Janto cedo, às vezes sozinha e às vezes não. Depois desta refeição, é hora da vitamina B12 e outras na fórmula determinada pelo médico. Por volta das 20h, os fitoterápicos que andam salvando minhas noites de sono. A louça é tarefa dele. Finalmente, penduro a roupa da máquina que apitou horas atrás. Jogo as secas que estavam no varal na cama do quarto/escritório para um dia quem sabe dobrarmos e guardarmos nos devidos lugares. Conversamos sobre os assuntos do dia, o trabalho, a pressão. É hora das obsessões do cônjuge. Assistimos uma série, agora estamos em The Big Bang Theory para tentar terminar todas as temporadas. Tomo meu chá. Leio mais um pouco. Costumeiramente, vamos dormir mais tarde do que o planejado. Damos risadas na cama assistindo memes no Instagram no celular dele.
Do meu lado, ajeito o travesseiro, ando tendo dificuldades na posição ideal, abro o kindle e penso "quando será que vou escrever assim?". Algumas vezes passo raiva e desejo nunca publicar uma coisa daquelas. Durmo com o meu eco buscando o texto do dia seguinte.
A música de hoje é como enxergo essas escritas sobre escrita, uma dança comigo mesmo. Quando entrego, me resta torcer para você dançar junto.
É abril, eu voltei. Bem após a Páscoa, achei auspicioso. Como passaram março? Gostaram das reprises de publicações? Eu passei bem. Ainda não sei como farei com o Instagram, já por aqui seguimos juntos como sempre. Uma vez por semana bato na sua porta. Tive algumas ideias de formatos variados, só vou contar quando formular melhor. Anotei tudo para transformar em projeto pós pausa, afinal precisava respirar. No mais, recomendo o descanso e a vida off redes sociais, encontrei uma paz que há tempos não sentia. Obrigada pela paciência. :)
Uma semana em paz, portanto, para nós.
Um beijo,
Gabi
Adoro textos sobre rotinas e escrita rsrs me identifico!
Me identifico com a parte de estar fazendo algo e ter uma ideia para escrever mas não saber se sento é escrevo, se continuo o que estou fazendo, se foco naquele outro projeto. No fim das contas, não ando escrevendo quase nada, até o diário parei. Mas é mto bom ler a rotina de alguém que também escreve. Atiçou minha vontade de voltar a escrever.