Em um grupo de mães do Whatsapp se repete a frase “consegui sair sozinha para fazer a unha”. Todas nós temos filhos com idades semelhantes; somos o “maio 2025”. Alguns se apressaram e vieram no fim de abril e outros só chegaram em junho e esse é nosso gap máximo. Sendo de primeira viagem, estamos perdidas na função materna, morrendo de sono e trocando mensagens na madrugada. Muitas, assim como eu, sentem saudades da vida de antes, da liberdade de ir e vir, de não ser fonte de alimento para ninguém. Em meio a essa nova realidade, ir ao salão de beleza fazer a unha não é vaidade, é fuga. Um mínimo espaço de tempo com você mesma e sem choro de bebê. Entendi com a maternidade que salão de beleza não é lugar de embelezamento apesar de parecer e de usarmos isso como desculpa; ora vejam, a sociedade acredita mais na necessidade de uma mulher pintar um cabelo do que na de dar uma rápida pausa na vida familiar. Sendo assim, apenas concordamos com a associação estética para evitar a fadiga de se explicar. Não é que a autoestima não seja impactada pela vontade de estar em certos padrões. É que somos mais do que isso e com tantas restrições de gênero, sabemos criar formas de sobreviver a pressão de sermos “apenas” mães mergulhadas nos filhos. No filme Flores de aço, uma obra de 1989 com Julia Roberts jovenzinha, o salão de beleza é o ponto de encontro das vizinhas. A dona, a assistente e as frequentadoras se tornam amigas, ajudam umas às outras a se afastarem de relações tóxicas, dão colo em fases de doenças e são, acima de tudo, fontes de risadas. Há alguns anos, no Brasil, foi ventilado a possibilidade de treinar profissionais de beleza para darem apoio e suporte a vítimas de violência doméstica porque é nesse contato que as mulheres mais se abrem e se vulnerabilizam. Acho que o projeto nunca foi levado para frente. Infelizmente. No meu pós parto, ainda não fui fazer minha unha, nem a sobrancelha. Meu tempo de escape tem sido a terapia e a fisioterapia. Corpo e mente em recuperação. Mas, não vejo a hora de entrar no salão, escolher o esmalte, papear e ouvir as fofocas edificantes dos outros.
Também saímos da vida doméstica escrevendo diários. O hábito de pegar um caderno com folhas em branco e despejar nossas questões cotidianas e existenciais vem de tempos antigos. Para garantir o segredo, as mulheres de outros séculos os escondiam embaixo de colchões, nos armários da cozinha e, as mais abastadas, em gavetas com chave. Claro que essa função era considerada - e ainda é por muitos - uma bobeira feminina qualquer e, por isso, ninguém dava muita atenção. Mas, não se engane. É exatamente a falta deste foco o objetivo. Só assim ninguém perturbava - nem perturba - e você pode ter seu momento a sós em paz. Quem imaginaria que uma doce esposa da década de 1950/60 estaria descrevendo num caderno seus desejos mais intensos por outro homem? Ou reclamando da obrigação de cozinhar, lavar louça e arrumar a casa e ainda trabalhar fora? E da falta de sexo com o marido? Pois bem… enquanto se pensava que as mulheres estavam apenas anotando a receita do bolo de Natal ou intrigas femininas, elas estavam encontrando a si mesmas. O livro Caderno proibido, da italiana Alba de Céspedes, conta a história de Valéria, uma mulher do período pós guerra, em formato de diário e é o resumo perfeito desse nosso hábito com viés psicanalítico. É um deleite, recomendo.
Insisto em escrever com o verbo no passado como quem tenta dizer que as coisas mudaram. Eu sei, ainda tem chão. Mas, ao menos, podemos ter happy hour nos tempos modernos. Seguirei variando o tempo verbal, espero não incomodar. É o símbolo de que a vida de agora é uma realidade transitória.
Sabe que também conseguíamos respiros maravilhosos com os clubes de leitura? Um grupo feminino reunido em torno de um livro, um debate provocado pelo tema da obra, um horário marcado para o encontro. Mais uma atividade considerada bobagem feminina. Os homens intelectuais liam e conversavam com amigos sobre, mas definiam um perfil de estilo literário demarcado e todos tinham acesso a universidades e diplomas. Portanto, se consideravam inteligentes e sagazes. As moças falavam abobrinhas sobre romances, pensavam. É triste que a categoria masculina tenha tanta repressão sobre suas próprias questões que sintam necessidade de criticar quem não tem. Através dos clubes, elas construíram amizades, trocaram sobre suas vulnerabilidades e intimidades, refletiram sobre si mesmas através das personagens. Algumas leituras inclusive poderiam provocar revoluções históricas… Pensem em Orgulho e preconceito cuja personagem se recusa a um casamento vazio ou Adoráveis mulheres onde temos uma escritora e um grupo de irmãs cientes dos próprios desejos. Duvido que quem os tenha lido na época do lançamento não tenha sido arrebatada por um desejo de mais liberdade. Na pandemia, em 2020, os grupos de clube do livro ressurgiram com força, ainda bem.
Os encontros de amigas já existentes não careciam de clubes. Houve tempo que precisavam de “prendas”: crochê, jardinagem, bordado… Tudo bem, era mais uma desculpa infalível para mantermos um espaço para jogar conversa fora e espairecer. Esses momentos foram evoluindo com o tempo e chegamos no ponto da desobrigação de uma justificativa em cima de uma tarefa. Ao menos é o que me parece. Quando Sex and the city foi ao ar pela primeira vez nos Estados Unidos, na década de 1990, e mostrou quatro amigas saindo juntas para tomar um drink apenas porque sim causou rebuliço nas críticas e rodas sociais. Claro que a série foi taxada de mais uma bobagem feminina. Hoje, eu sei, está meio datada e muita gente acha inútil, mas pense como um adulto de mais de 30 anos atrás e enxergue a revolução (eu ainda amo, ressalto). Relacionamentos, trabalho - ainda que fantasiosos -, sexo e dinheiro eram temas naturais para as personagens. Ainda havia os encontros para café da manhã, coisa que voltou à moda recentemente porque a geração telespectadora não tem mais fígado para tanto álcool. Reunir as amigas é um ato feminino que engloba todo pacote da saúde mental: nos permite sair das obrigatoriedades da vida doméstica, falar sobre vaidades e produtos de skincare, desabafar sobre dilemas e questões pessoais e relacionais, reclamar do trabalho e rir até doer a mandíbula. É cura. Talvez as gerações mais recentes estejam meio distantes disso por causa da vida digitalizada. Espero que resgatem. É bom demais (saudades, amigas).
Há também, nos nossos tempos, as fugas através do esforço do corpo: yoga, pilates, grupos de corrida, esportes no geral. Acho bonito como estamos ocupando mais estas atividades. Antes, só os homens extravasavam assim, através da clássica pelada com amigos. Com a ascensão da informação sobre a importância do movimento para a saúde e longevidade, as mulheres garantiram mais e mais seus horários de treinos. É um gênero que se cuida mais, está provado pela ciência. E como somos como somos, acrescentamos looks bonitos e inventamos opções para todos os gostos. Tem até acrobacia. Nesta modalidade de fuga ainda podemos garantir o tempo sozinha, o que é muito bem vindo. É preciso ouvir os próprios pensamentos, afinal.
Para fechar, não sou contra a opção das amizades online. Foi através dela que comecei esse texto ou coleção de notas, como queira chamar. Um grupo no Whatsapp com mulheres vivendo o puerpério juntas tem sido crucial para minha sobrevivência como mãe recente. Evitamos surtos neuróticos em relação aos pequenos quando contamos que nossos filhos estão respirando estranho e alguém diz que o dela também respira assim e aí percebemos que está tudo normal. Ligações para pediatras são evitadas com essa conversa. Choramos quando estamos no limite. Trocamos dicas valiosas sobre qualquer coisa. Vai desde a amamentação ao retorno da vida sexual pós parto. Sem elas, certamente eu estaria com uma boa crise de ansiedade. Obviamente, não estou exatamente equilibrada porque não é uma realidade possível neste momento, mas estou bem. Em um outro grupo de mães, soube que criaram um de pais. Meu marido entrou, ninguém fala nada. Que tristeza. Provavelmente tem uma boa fatia masculina que enxerga os nossos grupos como bobagem e acreditam fortemente que é perda de tempo quando nossos olhos estão focados no celular esperando respostas das colegas. Melhor assim. É mais uma fuga nossa travestida de pouca coisa.
Queridos leitores, sigo vivendo a maternidade de forma intensa. Este texto conseguiu entrar em cena durante uma inspiração com o golpe de sorte de uma soneca da baby. Por enquanto, manterei a frequência assim sem muito padrão. Vamos vivendo um dia de cada vez. Agradeço desde já o carinho <3, minha menina nasceu dia 08.05 e estamos todos bem no furacão da vida comum de um recém nascido. Até!
Beijos,
Gabi
Amei a coleção de notas e saber de você nesse mix de passado-presente, Gabi ❤️ Obrigada por mais um texto delícia, sempre me sinto bem ao te ler 💞 bjos fofinhos na baby linda tb 🥰
Ah Gabi, que “coleção de notas” boa de se ler! Me deu uma vontade enorme de juntar as amigas e dar umas boas risadas!
Eu sou feliz demais por ter esse mundo online, afinal, principalmente agora nessa fase inicial da maternidade, é a chance que temos de nos encontrar. Ia ficar difícil se tentássemos bater as sonecas das crianças com um bate-papo com chá e bolo :)
O Caderno Proibido continua na minha lista. Tenho visto tanto ele por aqui de novo que ando com vontade de encomendar. 🙈 a lista não acaba nunca!!