Enquanto me preparava para escrever este artigo, ou procrastinava se preferir chamar assim, decidi usar uma pausa para assistir um episódio de uma série (Modern Love, segunda temporada). O roteiro estava encantador e até me fez pensar em temas para minha própria escrita. Mas, quando estava lá pelos 20 minutos fiquei impaciente. Desejei o fim porque senti o intervalo como longo demais. Usei o pause e descobri que ainda tinha uns 15 minutos pela frente. Ainda?
Quando 15 minutos trocou a companhia do advérbio só por ainda? O mais curioso é que neste momento, peguei o celular para ver as horas e pensei "já são 16h10, preciso correr" e assim decidi terminar o episódio depois. Nossa percepção de tempo mudou e não há outra explicação se não a ansiedade. Agora, enquanto escrevo, penso que essa história me deu um ótimo gancho para o texto, mas também me sinto boba por ter usado o ainda para acompanhar os 15 minutos. Ou seja, encontrei uma culpa, refleti sobre ela e, apesar de a colocar em palavras, passarei dias pensando se estou usando o celular demais e por isso sinto o tempo de outro jeito.
Todo este episódio, o da minha vida e não o da série, durou cerca de 45 minutos. E ele é o retrato de um ciclo de ansiedade que achamos inocente. Primeiro falta paciência, aí vem a pressa por algo a fazer, em seguida um pensamento obsessivo que pode durar minutos ou dias acompanhado da culpa por pensar e pelo fato matriz. Não foi o meu primeiro e nem será o último e você provavelmente também o vive por aí com alguma frequência.
Foto: Uday Mittal
Outros sintomas normalizados, mas também angustiantes, são: dores de cabeça, vontade de chorar, solidão que parece querer durar para sempre, desassossego, tensão no músculo, vontade de fugir para outro lugar onde não haja sinal e outros que não sabemos sequer nomear ainda. Não quer dizer que todos nós temos um transtorno de ansiedade, este é um quadro que precisa de diagnóstico profissional e tratamento.
Você deve procurar ajuda médica quando qualquer um desses sinais atrapalha sua rotina e te impede de realizar tarefas ou se está em sofrimento psíquico/físico ou se a frequência dos episódios aumentou nos últimos meses.
Cápsulas ansiosas
Nós, brasileiros, já ocupávamos o lugar de população mais ansiosa do mundo em 2019, antes do início da fatídica pandemia do coronavírus, segundo dados da Organização Mundial de Saúde. Para piorar, uma pesquisa global liderada pela Universidade de Ohio (EUA), mostra que tivemos um aumento de 25% de casos envolvendo ansiedade e depressão diagnosticadas.
Fora dos consultórios sérios, tem quem esteja buscando aplacar suas angústias por outras vias. Na minha bolha, a conversa tem sido em torno do consumo de álcool. "Beber para esquecer os problemas" ou "hoje eu mereço" são legendas comuns em imagens de taças de vinho, cervejas e drinks. Como a bebida alcoólica não exige receituário, é o ambiente livre para entorpecimento, o que pode ser perigoso devido sua capacidade de causar vícios. O mais preocupante, no entanto, é um boato - e o chamo assim porque estou acompanhando via redes sociais e não tenho números - que em alguns ambientes as pessoas conversam sobre nomes de remédios tarja preta como se falassem de marcas de molho de tomate.
Miranda, da série And just like that, passa por alcoolismo que começa sutil
Não é que não tenha pessoas com real necessidade de medicamentos e/ou de uma assistência médica mais intensa; como falei, quem tem transtornos deve e merece receber tratamento. Me questiono se todas estariam na mesma classe social e frequentando as mesmas festas. Não me parece plausível.
Segundo levantamento do site Consulta Remédios, houve um aumento de 113% na procura de medicamentos destinados a insônia, ansiedade e depressão comparando o período entre agosto 2019/fevereiro 2020 e agosto 2020/fevereiro 2021. Uma reportagem do canal Saúde do IG sobre uso indevido de fármacos para TDAH (déficit de atenção com hiperatividade) cita:
a venda ilegal do remédio causou uma falta generalizada do medicamento nas prateleiras das principais redes de farmácia de São Paulo. Também não há previsão de quando o medicamento será reabastecido nas drogarias. A carência começa a ser sentida em outros estados do país também (...) O remédio só é vendido com prescrição médica. Mas cresce o número de grupos ilegais de venda do produto nas redes sociais.
Me lembrou a história do repórter americano Dan Harris, contada por ele mesmo no livro 10% mais feliz. Dan sofreu um colapso ao vivo na TV, em meados de 2003, com apenas 32 anos. Tudo começou com a ambição, um tanto natural e um tanto egocêntrica, de crescer na carreira, que o fez aceitar o convite de uma reportagem no Iraque. Entre idas e vindas ao Oriente Médio, ele se convencia que a guerra não o afetava até voltar para casa e viver uma rotina normal. Era tudo tão calmo perto do caos anterior que a adrenalina só subia novamente com cocaína. "Me sentia rejuvenescido e recuperado. Mas, depois me sentia apenas uma carcaça de homem", conta.
O tormento do repórter e de todos nós tem origem em causas realmente significativas. A tensão já vinha em crescimento antes da pandemia devido ao clima de insegurança política e financeira, além das pressões pessoais do estilo de vida moderno. Com a pandemia, a preocupação se espalhou por todas as camadas sociais. O desespero pela saída mais próxima e mais rápida leva a algumas escolhas que nos colocam ainda mais no buraco.
Foto: Dominik Vanyi
Ou seja, estamos em um cotidiano ansioso e o conhecemos tão bem que fugimos. Mas, será que não estamos tão focados na tentativa de não sentir a angústia que esquecemos de perceber a felicidade?
Pequenas alegrias da vida (obrigada, Emicida)
Ao fugirmos da vida real cheia de perrengues nos entorpecendo, a consequência é que não sentimos mais nada. "Quando finalmente resolvi procurar um psiquiatra, ele levou cinco minutos para seu veredicto: depressão. Garanti ao médico que não me sentia nem um pouco triste. (...) Quando você se afasta de suas emoções, ele disse, elas muitas vezes se manifestam em seu corpo.", explica Dan Harris no seu livro.
Eu mesma fui um desses casos. Passei anos achando que estava bem, mas na verdade estava sendo uma controladora ansiosa. Só descobri minha poeira embaixo do tapete quando não coube mais nada lá e os sintomas explodiram no meu corpo, em meados de 2013, de um jeito impossível de ignorar. Só aceitei que meu "jeito de ser" era na verdade ansiedade quase um ano depois disso.
Podemos dizer, então, que antes de tudo é preciso fazer uma autoobservação honesta. Diários são ótimos para isso, pode ser anotar as emoções do dia, boas e ruins, ou relatos ou discorrer como lhe for oportuno. Em uns dois ou três meses, releia e verás alguns padrões. Se você faz terapia, vai ser ótimo levar na sessão.
Procurei fotografia com homens meditando, foi difícil. Reflita! Foto: Madison Lavern
Outra forma de estar presente e se conectar com você é com a meditação. "O cérebro é uma máquina de prazer. Se você der ao seu cérebro um gostinho da meditação, ele criará uma espiral positiva que vai se autorecompensando", explica o pesquisador e neurocientista Dr. Jud Brewer. Costumo dizer que a ferramenta é o meu medicamento sem efeito colateral. Dan Harris, o repórter, resumiu bem: não vai resolver todos os seus problemas ou elevá-lo a um estado de graça. Mas a prática pode torná-lo 10% mais feliz - ou talvez muito mais que isso.
Mas, precisamos ser honestos, em pleno 2022 quem quer viver o presente?
O que percebo mesmo, no senso comum, é o que tenho chamado de paradoxo da felicidade. Por um lado capturamos pequenos prazeres a ponto de fotografar para postar no Instagram, do outro sentimos culpa ao experienciar algumas felicidades, ainda que pequenas, quando tem gente passando fome. No terceiro lado queremos nos entorpecer e no quarto queremos lutar pelas melhorias sem tempo de respirar.
Djamila Ribeiro, filósofa e escritora brasileira, postou no seu aniversário, no Instagram, a uma mensagem que nos ajuda a pensar nisso:
Aprendi com meu babalorixá que ser feliz também é uma decisão. Há anos entendi que era preciso me afastar sem culpa do que e de quem não me faz bem. De valorizar os bons momentos, celebrar as conquistas. Cuidar de mim, apesar do mundo. Sou feliz por saber que posso entrar de cabeça erguida em qualquer lugar, pois a paz de espírito e a consciência tranquila são coisas que não têm preço.
Ser feliz é combate
Não os disse, até agora, o que é felicidade, perceberam? Porque o bem estar é subjetivo e individual. Sou muito feliz no banho de mar. Na leitura de um livro. Na companhia dos que amo. Você pode sentir suas pequenas ou grandiosas alegrias de mil outras formas. Por isso, a única saída que posso dar, mesmo na dureza de 2022, é você estar presente na sua vida, se dar o direito de se cuidar, de meditar, de ouvir uma música, dançar e de ser, ao menos, 10% mais feliz.
A luta é justa e deve continuar, mas não é a nossa dor que enfraquece o outro lado, é a nossa alegria que incomoda. E como diz o dito popular, os incomodados que se mudem.
um abraço acolhedor e uma música boa,
Gabi
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Amando a news, Gabi! Eu "aprendi" os nomes dos remédios tarja preta porque, quando cheguei em SP, nos meus ambientes de trabalho eles eram enumerados assim, como cores de jujuba. Já fui vítima deste uso irresponsável (anos mais tarde) e hoje sou a tia velha que levanta a bandeira de que remédios tão sérios não podem ter uso e exibições recreativas. Vamos marcar um café qualquee dia desses?!
como sempre, me tocou lá no fundo!
Obrigada, Gabi! suas palavras e reflexões são um presente!