De pensar na dor. De tentar entender os porquês. De avaliar como serei vista em tal lugar. De deixar passar algumas frases de conhecidos. De ignorar as fotos recheadas de pessoas de uma só cor. De quando há diversidade nas imagens serem sempre as mesmas pessoas. Do progressista no discurso. Dos debates. Nossa, os debates… Mil mesas redondas, livros, palestras, dados. Tudo se repete na fala. Tudo se repete nas ações.
Cansei da resignação. De aceitar pouco.
Cansei do apego a boa história do pobre sofrido. Dos olhos dos muitos que gostam mesmo é de preto na sarjeta. Dá para tolerar, “não ser racista”, ter dó. Tadinho, foi culpa da escravidão daqueles cruéis do passado. Da ausência da narrativa contando as boas gargalhadas, o apaixonamento, uma conversa na cadeira da terapia. Essas banalidades da vida comum. Insistem em não nos entregar. Cansei.
Cansei do super valor ao trabalho por horas a fio. Da exaustão. De evento para o trabalho, leitura para o trabalho, encontros para o trabalho e conversas sem fim sobre o tal trabalho. Cansei de quem pode e ainda assim não abraçou o feriado com sua essência básica: folga. Isso é resquício de um país colonizado e escravocrata.
Cansei também da histeria pela opinião pública. Mais uma vez o debate. Um país que a maioria não lê nem um livro por ano, mesmo nas classes mais altas, consegue criar mais de mil falatórios nas redes sociais. No fim, o que tem-se mesmo é uma tagarelice vazia. Cansei disso e de comentar sobre o falatório.
Cansei da luta. Da tristeza. De toda data envolvendo negro ter um tom de melancolia ou raiva. Da exigência exacerbada. De não saber quem está na minha árvore genealógica antes dos meus bisavós. De onde vieram.
Cansei das ausências. No teatro, no cinema, na sala vip, nos restaurantes, nos hotéis, no descanso.
Cansei de cansar.
Eu quero mais.
Mais cenas como a do filme O mundo depois de nós, em que o personagem G.H., interpretado pelo brilhante Mahershala Ali, entra na sua mansão trajando um terno de corte elegante, abre o armário de bebidas especiais e faz seu próprio drink. Ao lado dele está Amanda, entregue pela atriz Julia Roberts, incomodada e duvidando que aquele homem é mesmo o dono daquilo tudo. O filme não é dos bons. Mas G.H. é apoteose. Quero mais isso, triunfo.
Mais dos meus sentados na beira de uma piscina tomando água de coco enquanto recebe a luz do sol e lê um livro bonito. Mais brindes. Mais festa. 13 de maio, apesar das suas questões, deveria ser dia de celebração. É a data da libertação dos escravizados. Nasci cem anos depois disso, em 1988.
Mais criança feliz. Nada é mais bonito que uma infância alegre. A dos negros então, é um deleite. Quando vejo uma criança negra tomando sorvete na rua tranquilamente andando com seus pais, volto para casa com o coração cheio.
Mais dinheiro. Isso mesmo. Sem constrangimento algum. É o que paga saúde mental, bem estar, casa com espaço, chuveiro bom, sanar a vontade de um chocolate suíco no meio da tarde. Todo mundo deveria poder ir no mercado e escolher seu próprio chocolate.
Mais negros de férias viajando e brilhando o olho para novas paisagens. A rotina do descanso que só os dias de folga podem nos dar. Café da manhã farto e servido no hotel, de preferência com vista e cadeira confortável.
Mais autoestima e confiança. Mais Luis Miranda, o ator. Há um ano o vi andando pelo meu bairro plenissimo e altivo, guardei aquela imagem como um farol. Toda pessoa preta deve andar com a luz de Luis Miranda.
Mais ambição. Mais reconhecimento. Mais presença na televisão, no cinema, nas redes sociais e nas listas de convidados para eventos e festas. Sem ser servindo a bandeja, claro.
Mais ironia. Mais olhos revirados para os hipócritas. Mais vivacidade. Mais fazer o que gosta, onde gosta, comendo o que gosta. Mais prazer.
Mais farra. Mais beijo na boca. Mais abraço sincero. Mais sorrisos.
Família reunida a gente já tem. Mais dos nossos sendo bem tratados. Mais menu de Natal sem precisar escolher a carne ou fazer render uma receita. Mais Champagne estourado. Mais lazer.
Mais poder falar de mim, uma mulher negra, sem quem ouve se espantar por minha história não ser sofrida nem de pobreza. Sem esperarem que a minha vida seja como é só porque casei com quem casei. Como se eu tivesse sido salva de alguma pindaíba qualquer. Não fui.
Mais ocupar espaços sem constrangimento. Cabeça erguida. Pé pisando firme no solo que quer. Mulheres rei. Mais atrevimento.
Mais descanso.
Ontem, 20 de novembro, foi dia da Consciência Negra e eu acredito que seja uma data para reflexão dos não negros. O papel da pessoa negra neste dia é brilhar, estar bem, se querer o melhor. Já partilhamos muito conhecimento de raça, já tem mil conteúdos e informações nas mídias e livros. Está na hora de quem tem interesse em não ser racista agir para tal. Para nós, é tempo de descansar.
Uma semana atrevida.
Beijos,
Gabi
Como sempre, maravilhosa!!!
Muito muito muto brilho pra ti ✨