Por esses dias, ouvi duas mães conversando sobre a entrada dos seus bebês na creche. Uma delas falou: “o meu tem um ano e meio e a vida dele está muito boa, fica em casa com a babá e não precisa se esforçar para nada. Na creche ele vai aprender como é a realidade porque precisa interagir com os outros”. Escuto nas entrelinhas uma fala sobre treinamento. Quando ele for adulto já vai ter entendido que não se pode ter tudo. Saberá o que é resiliência. Terá foco. Fiquei pensando quando foi que até os bebês entraram na lista da performance.
Olha, uma coisa posso garantir, a vida, essa coisa mágica e cheia de surpresas, ensina. Ninguém passa por aqui sem problema, angústia ou crise. Não precisamos nos esforçar para sofrer. A gente vai sofrer. Há quem alegue que o bebê da vida fácil vai se sair pior. Tenho minhas dúvidas. Essa ideia de educação controlada me soa como uma criação de equipe de trabalho. Ou pior, de indivíduos máquinas cujo objetivo final é dar check em ser muito bem sucedido e resolvido.
Até agora, não podemos dizer que alguém conquistou tal feito com suas próprias crianças. Pelo menos eu não conheço quem está 100% resolvido. Sabemos apenas que quem amou foi suficiente. Aliás, adoro esse conceito de "suficientemente bom". Praticá-lo já é um treino danado para a vida, dos pais e dos filhos. E eu sei, amar exige. Na vida familiar não vale qualquer amor. Envolve doar o próprio corpo com sono em débito e com fome. Ensinar. Fantasiar cenários. Sentar no chão e brincar. Incentivar. Querer sair correndo para bem longe. Proteger e nem sempre conseguir.
Foto: Eye for ebony
E quando o amor é dos filhos, então… É confuso. Diz que odeia querendo amar mais. Dá as mãos e depois solta. Deseja o orgulho dos pais. Quando amadurece, voa para longe. É a vulnerabilidade na sua forma mais crua.
Uma vez ouvi a chef Raiza Costa falar que família é um coletivo de gente tentando fazer tudo certo mesmo fazendo tudo errado. E não é que é? Essa convivência, hora extenuante hora ausente, para mim já é a prova de que a vida se basta para termos a chance de aprender sobre resiliência e tudo que supostamente nos leva ao tal sucesso. Ainda assim, não há garantias.
Estamos talvez tentando evitar que as crianças, quando adultas, não sintam essa agonia de estar guiando um barco no meio de águas com correntezas fortes sem saber muito bem para qual lado vai ficar mais suave. Uma ilusão. Cada um tem seu barco e suas correntezas. Não tem nada que impeça a impermanência. E é exatamente por isso que em dias como hoje, gelado e cheio de cansaço, o que eu queria mesmo era voltar a infância e ter uma vida fácil de novo. Pelo menos para quem não foi um bebê treinado, a lembrança é doce.
Gostei de terminar o texto do sentir com uma música mês passado; vou fazer assim agora, que tal? Taí uma arte que emociona instantaneamente. A de hoje, O mundo é um moinho, de Cartola, na voz de Criolo.
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Um abraço, boa semana,
Gabi
Gabi que texto lindo, chorei com a música no final... Obrigada!