Nunca fui apegada à infância. Nunca desejei voltar. Nem verbalizei nada como: bom mesmo é ser criança. Nem mesmo nos momentos mais duros da vida adulta me rendi. Talvez porque eu nunca tenha sido muito infantil ou até fui, mas não me encantei. A vida é regulada demais quando se tem 6 anos e definitivamente não tenho apreço por cortes de liberdade.
Saudades mesmo eu tenho, vez em quando, do tempo de faculdade. Havia mais amigos, maioridade, estágio com salário ínfimo ainda assim era dinheiro, aprendizados de toda espécie - desde o acadêmico até o amoroso - e muitas possibilidades de diversão. Era um tempo livre. Na rotina de estudante com aulas noturnas e de estagiária diurna, poderia escolher jantar coxinha com batata frita, tapioca, sopa ou macaxeira com charque numa rua chamada por nós, alunos, de Rua do Lazer. Ela ficava entre os blocos da universidade, não passava carro, e tinha uma infinidade de barracas com sabores diversos onde a maioria se alimentava nos intervalos. A vida acontecia no curto prazo.
Este tempo seria o ponto que eu pediria para dar uma volta se pudesse visitar o passado. Mas, o inconsciente tem das suas e quando me encontrei grávida, sem nem perguntar do meu gosto, ele decidiu me levar para a infância. Ora vejam! Lembrei da Rua do Lazer apenas agora, escrevendo este texto. Nos últimos meses, quando havia intervalo nos enjoos, meus desejos viajavam para a casa de vovó Maria ou da minha mãe ou de vovó Salete. Ou melhor, para os meus primeiros anos de existência.
Quis comer misto quente com maltado bem gelado. Vitamina de abacate (até hoje não consegui satisfazer, pois os abacates estão verdes por toda parte). Bolo branco com recheio de brigadeiro. Pudim de leite da minha mãe. A cocada dela também. O cozido de vovó Maria do qual não conseguirei usufruir pois ela já se encontra em outra morada. Suco de laranja com beterraba. Escondidinho de macaxeira com charque (carne seca para os da Bahia para baixo). Um bolo que minha mãe comprava numa doceria de shopping cujo recheio era preto e branco e tinha pedaços de chocolate. Peixe com molho de coco e pirão. Até refrigerante que não tomo há uns 15 anos me deu na telha. Não tomei ainda com medo de cair no buraco do açúcar adicionado. Vamos ver até quando aguento. A lista é imensa como se pode notar e ela tem muito a dizer.
Acredito que a comida fala mais do que a fome do estômago. Na fragilidade que é participar da gestação de uma nova vida, tudo que se deseja mesmo é colo. Todas as vontades alimentícias seriam muito mais atendidas se viessem acompanhadas de um encontro na sala de estar com o pudim nos pires ou potinhos de sobremesa e se tivesse sido produzido, especialmente para mim, com leite condensado sem lactose, para que eu pudesse comer sem dó. Este encontro coletivo em um mesmo recinto certamente traria à tona alguns arranhões e conflitos como é comum quando se conversa com íntimos.
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