A mesa de jantar foi ocupada com petiscos, copos, taças e até brownies. A geladeira lotada tentava dar conta de todas as garrafas, queijos, salame e um tupperware enorme de guacamole a fim de atender vegetarianos e carnívoros. O sofá, até então vazio, lotou. O chão se fez de cadeira e foi preenchido. A televisão em alto e bom som contava as notícias. Não sabíamos, mas o Carnaval estava para começar.
Não serei leviana, somos de Pernambuco. Se fosse o Carnaval, aquela festa real oficial, não estaríamos sequer cogitando sentar em um chão e ouvir música em um som de decibéis limitados. Mas, naquele domingo, em São Paulo, recebemos a permissão para transformar o dia em festa se tudo desse certo. Fez até um calor digno das ladeiras de Olinda. Já o frio na barriga não era nada carnavalesco. A gente se enganava com Alceu cantarolando…
tu vens, tu vens, eu já escuto teus sinais
Enquanto não havia resposta, ouvíamos Natuza Nery, Sadi, Flávia e toda turma de política da Globo News. Nos acompanharam por tanto tempo nessa eleição que já eram de casa. Partilhamos memes a fim de aliviar a aflição. Abrimos as primeiras garrafas, demos os primeiros goles. Vozes elevadas. Dúvidas sobre o futuro. A trilha sonora, a essa altura, já havia chegado em Emicida cantando Belchior…
Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte porque apesar de muito moço me sinto são, e salvo, e forte
Contamos e re-contamos nossas histórias. Racismo, xenofobia, machismo. Nosso pequeno condado, como nos intitulamos, saiu de Recife, cada um num tempo próprio, e não foi de pau de arara. Todos subiram em um avião, com passagem paga, ora vejam, pelo CNPJ que os convidou a vir, ora vejam de novo, para trabalhar. Pessoas com títulos e bagagem das boas que largaram suco de cajá, caldinho quente e cerveja gelada na praia, mainhas e painhos, aconchego, para entregar seu capital intelectual a outra cidade que também é sua pois o país é nosso. Acompanhava nosso falatório, ainda nada carnavalesco, Chico Science cantando sobre Recife, mas que em nada devia a qualquer outra capital brasileira…
Atrás do arranha-céu tem o céu tem o céu E depois tem outro céu sem estrelas
Então, as urnas foram abertas. Coração apertado. Minutos duraram horas. Começamos a gritar ansiando pela inversão dos números nem sei em que momento. Na virada, ahh a virada… Deste momento tenho exata lembrança. Extravasei. Extravasamos. Abraçamos. Foi nessa hora que o Carnaval começou.
Imagem de fevereiro de 1960, não achei a autoria, do que parece ter sido o começo do Carnaval em Pernambuco, mais precisamente em Olinda e Recife.
O suor descia, as pernas pulavam, o fôlego já faltava, a garganta queimava. Pernambucano que se preza sabe seu hino. A gente canta no Carnaval oficial, aquele de rua, em ritmo de frevo. Achamos no Youtube (além da música, neste vídeo tem imagens locais valiosas).
Salve, ó terra dos altos coqueiros/ De belezas soberbo estendal/ Nova Roma de bravos guerreiros/ Pernambuco imortal, imortal!
Pura festa. Emoção. Chamadas de vídeo com os nossos afetos. Áudios com nossos gritos enviados para nossas famílias que estavam, tanto quanto nós, a vibrar. Choro entalado foi posto para fora. Fizemos amizade pela janela. Abrimos espumante. Adicionamos uma dose de réveillon. Um novo tempo estava mesmo por vir.
Essa imagem é da Prefeitura do Recife. O palco é no bairro do Recife Antigo, onde à noite acontece shows e apresentações locais e à tarde os blocos de rua percorrem os arredores.
Que me desculpe Marina Lima e todo mundo que partilhou, estimulando o voto, "você me abre seus braços e a gente faz um país", aqui nessa sala a gente abriu os braços e fez um Carnaval. Mas, Marina está certa em outro trecho de Fullgás, nada de mal nos alcança.
Imortal, imortal. Pernambuco, Nordeste, Brasil. O país que cabe toda gente.
A música de hoje não poderia ser outra, Leão do Norte, Lenine.
Agradeço hoje, especialmente, aos meus amigos e meu amor que fizeram do domingo um Carnaval. Por motivos de privacidade de cada um, não partilhei os vídeos, mas eles me abastecem sempre que os revejo. E também deixo um convite a você que me lê: conheça o Nordeste deste país. Nossa comida, nossa gente, nossa festa, nossa música. Garanto satisfação e um baile na xenofobia.
Clube do livro Tempo para você. É boa hora para entrar no nosso clube. Estamos começando a ler o livro do mês de novembro que é o Mais forte do que nunca, da já aclamada Brené Brown. Para assinar e saber mais, clica aqui. Acredito que é um bom momento para nós refletirmos sobre esperança e recomeço para terminarmos o ano com o coração mais pleno. O encontro ao vivo será no dia 27/11, um domingão, às 16h, online. Te espero por lá!
Estamos no penúltimo mês do ano. Voou! Aviso que em dezembro vou anunciar novidades para o ano que vem. Já estou animada, por isso me antecipo.
Também sobre essa época… Como fim de ano é sempre movimentado - este ainda tem Copa fora de época -, vou alterar algumas datas das chegadas de newsletter, aviso na que enviar no dia 05/12. Aproveitarei para ficar off entre o Natal e Ano novo.
E sobre novembro, afinal? Tem pauta sobre bem estar na vida real no forno. ;)
Uma dica: a Bárbara Bom Angelo, jornalista e mestranda em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês, vai comandar, junto com a Débora Tavares, uma oficina online sobre a adaptação da obra Pessoas Normais, da Sally Rooney, para o formato de série. Serão 3 encontros sobre o contexto da obra, social e da autora - começa dia 09/11. Babi tem uma newsletter maravilhosa chamada Queria ser grande, mas desisti e um livro com mesmo nome. Adoro esses cursos para sairmos do caos da vida cotidiana, sabe? É como criar tempo para si. Sempre que posso participo, é um “autopresente”.
Abraços e um mês suave para nós.
Até semana que vem,
Gabi
Vc foi capaz de transmitir uma emoção tão forte com esse texto! Caramba... isso é talento!
Texto lindo, chega me arrepiei!