#3 Querido trabalho,
quando a escrita empaca, é preciso olhar para ela com outros olhos
ando empacada com a escrita do meu livro. Houve um avanço pois consegui escrever aqui "meu livro" e outro dia falei em uma conversa de um jeito super natural, saiu e levei até um susto depois. Me aproprio dele aos poucos. Olho para a folha/tela e a enxergo como uma montanha alta e cheia de floresta nativa, daquelas sem trilha aberta, sabe? Por mais que outras pessoas tenham realizado essa escalada antes de mim, não é a mesma subida para todo mundo.
Cada livro tem sua história e quem os escreve passa a viver em simbiose com as suas páginas. Mesmo na ficção. É um mergulho naquele universo de palavras esperando você as colocar em frases concretas o que se passa na sua imaginação. Por isso, quem veio antes e abriu caminhos para nós o fez em relação à publicação, ao reconhecimento da profissão, aos processos criativos e um tanto mais de outros itens que tornaram esta lista longa. Agradeço aos antepassados por estar em 2023 com tantas conquistas e com tantos novos progressos a serem alcançados. Assim como celebro os apoios, afetos, estímulos, o teto todo meu incluindo o barulho da máquina lava e seca, o tempo.
Mas, ainda com tudo isso, escrever em si é coisa individual, cada um sobe sua montanha, abre a sua clareira, passa pelos seus percalços, aprende a hora de parar para o descanso e lida com os próprios medos e monstros. Estou nesta escalada. Já achei o tom e os personagens, tenho um começo do qual gostei bastante e acho que vocês irão gostar também. Escrevi uma boa quantidade de caracteres. E depois empaquei.
Duvidei da minha capacidade de escrevê-lo. Pensei que teria de mudar o tema porque se tornaria velho se eu perdesse muito tempo. Me classifiquei como uma indisciplinada. E sonhei com páginas e histórias e diálogos.
Na última semana, as aulas de
voltaram e com isso fui obrigada a escrever, ao menos um pouco para enviar os exercícios. Acho isso ótimo, me puxa para a prática e me dá novas perspectivas; foi com o feedback das colegas que entendi meu empacamento. Todas relataram sobre a densidade do tema - esperança - e sobre como deve estar sendo para mim investigá-lo internamente e externamente. É. Está tudo tensionado. Estou cansada.Comentei com meu marido e ele respondeu: mas é trabalho e trabalho cansa. Soa ridículo, mas só assim lembrei que é trabalho. Não que eu não enxergue arte e literatura como profissão digna de contracheque. Talvez tenha misturado minha tendência a acreditar que tudo que faço é simples demais, portanto não tão digno de reconhecimento financeiro e público - cafona, eu sei -, com a nossa cultura que trata a escrita como "só sentar ali e digitar".
Li na revista literária "Quatro cinco um", a escritora Rachel Cusk contando que ela e sua família se mudaram para Paris há poucos anos e só lá ela entendeu o valor de ser escritora. "Durante os meus primeiros meses em Paris, quando, pela primeira vez na vida, parecia que ficar deitada no sofá lendo um livro era algo que eu não apenas podia, mas devia fazer (...)", revela. Quis fazer as malas na mesma hora mesmo sabendo que não é tão romântico nem fácil virar essa chave mental.
Consciente então de que é trabalho, entendi que precisava utilizar ferramentas para me manter inteira na minha subida da montanha, assim como entender melhor a hora que preciso só sentar e encostar as costas no tronco de uma árvore. Além de ser uma função nova para meu eu profissional, é algo que não tem script padrão, como já comentei. Fui compelida a entrar numa investigação interna de como é a rotina da escritora que sou, quais ações me ajudam e quais atrapalham. Qual é o meu processo criativo? Essa pergunta foi coisa do meu terapeuta que a sugeriu para reflexão.
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